Com 200 dias faltando para a abertura da COP 30, Belém intensifica os preparativos para sediar, pela primeira vez na história, a principal conferência climática da ONU em território amazônico. O evento, que ocorrerá em novembro, reunirá chefes de Estado, negociadores, cientistas, empresários e representantes da sociedade civil de todo o mundo, com o objetivo de tirar do papel as promessas firmadas no Acordo de Paris.
Para o Brasil, anfitrião da cúpula, o encontro é uma chance estratégica de reposicionar sua imagem internacional, atrair recursos e assumir uma liderança mais ativa no enfrentamento da crise climática. No entanto, a jornada até lá é marcada por ambivalências: enquanto o governo federal intensifica o discurso ambiental, amplia simultaneamente a exploração de petróleo, inclusive em áreas sensíveis da Amazônia.
A COP 30 será palco de negociações-chave sobre o financiamento climático. Países em desenvolvimento pressionam para que as nações industrializadas cumpram a promessa de repassar US$ 100 bilhões por ano para apoiar ações de mitigação e adaptação. No entanto, estimativas mais recentes elevam essa necessidade para até US$ 1,3 trilhão anuais até 2035.
Nesse contexto, o governo brasileiro trabalha pela consolidação de um plano ambicioso: o “Caminho Baku-Belém”, que prevê uma transição entre as decisões tomadas na COP 29, no Azerbaijão, e os compromissos que devem ser formalizados em Belém. A proposta já conta com o endosso para uma meta intermediária de US$ 300 bilhões anuais a partir de 2025.
Outra aposta brasileira é o lançamento de um novo mecanismo de financiamento: o Tropical Forests Finance Facility (TFFF), ou Fundo de Financiamento para Florestas Tropicais.
A proposta visa premiar financeiramente os países que conseguirem reduzir efetivamente o desmatamento, especialmente na Amazônia, valorizando os chamados “serviços ambientais” prestados por ecossistemas nativos. A meta inicial é captar mais de US$ 100 bilhões, reunindo doações de países ricos, organismos multilaterais e investidores privados.
O tema da adaptação climática também deve ganhar centralidade nas discussões. Espera-se que a COP 30 conclua a definição de até 100 indicadores para medir a capacidade dos países de se adaptar aos efeitos cada vez mais intensos da crise climática, como inundações, secas prolongadas e ondas de calor. A padronização desses critérios é vista como essencial para garantir que cidades e comunidades vulneráveis tenham acesso a financiamentos específicos, com foco em infraestrutura resiliente e proteção social.
Em paralelo, a chamada “transição justa” emerge como um dos grandes desafios conceituais da conferência. A ideia é assegurar que a mudança para uma economia de baixo carbono não aprofunde desigualdades sociais. Isso inclui garantir proteção aos trabalhadores de setores poluentes, como o petróleo, além de incluir recortes de gênero, juventude e renda nos planos de ação climática.
O Brasil se propõe a liderar esse debate, mas o tema ainda carece de consenso internacional, e a COP de Belém pode se tornar um ponto de inflexão nesse processo.
Apesar da agenda climática promissora, a posição brasileira sofre críticas devido à insistência na exploração de petróleo na Margem Equatorial, especialmente na bacia da Foz do Amazonas. O projeto da Petrobras, já barrado duas vezes pelo Ibama por falta de estudos de impacto ambiental robustos, permanece como símbolo da maior contradição do país.
Especialistas apontam que insistir em novos projetos fósseis colide frontalmente com as recomendações da Agência Internacional de Energia, que desde 2021 defende o fim de novas explorações para limitar o aquecimento global a 1,5°C.
A pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), ressalta que a COP 30 é uma oportunidade única para o Brasil mostrar resultados concretos.
“Houve avanços, como a redução do desmatamento e a atualização da meta de corte de emissões, mas ainda há desafios importantes a resolver. A expansão da fronteira petrolífera é um deles. Não podemos nos apresentar como protagonistas da transição energética enquanto ampliamos nossa dependência de combustíveis fósseis”, alerta.
A conferência em Belém é, portanto, mais do que um evento diplomático: é um teste da capacidade brasileira de transformar discurso em ação, liderar pelo exemplo e negociar com credibilidade em meio a um cenário global de emergência climática. O sucesso da COP 30 dependerá tanto da qualidade dos acordos internacionais quanto da coerência interna do país que a sedia.