O mundo caminha para uma 'tempestade perfeita' no segundo semestre deste ano, com o inverno pegando a Europa tendo baixos estoques de combustíveis e preços elevados, em um momento de redução de oferta e aumento de demanda por petróleo. No Brasil, a situação será ainda mais agravada pelas eleições presidenciais, segundo especialistas reunidos pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) para discutir a crise de energia na Europa.
Para os especialistas, enquanto prosseguir a guerra entre a Rússia e a Ucrânia haverá continuidade na escalada de preços da energia e aumento da insegurança energética e alimentar, já que tanto Rússia como Ucrânia são grandes exportadores de alimentos e fertilizantes. No caso da Rússia, o país vende um quarto do diesel consumido no mundo.
"O preço de US$ 160/170 o barril de diesel está longe de refletir o que pode acontecer daqui para frente, quando as sanções europeias entrarem em funcionamento e se a China relaxar as restrições do surto de covid", disse o presidente da Enauta e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, durante o webinar do Cebri sobre a "Encruzilhada energética europeia diante da guerra da Ucrânia".
Oddone destacou que a margem de refino explodiu com a guerra na Ucrânia e principalmente o preço do diesel disparou no mercado. De uma média histórica de cerca de US$ 10 por barril passou para algo em torno de US$ 60 por barril atualmente. A partir de agora, porém, a gasolina também deverá fazer parte da preocupação global, com o início das férias no hemisfério norte, que aumentam as viagens de carro, principalmente nos Estados Unidos.
O executivo alerta que, com a volta da China após um novo surto de covid-19, a expectativa é de que o país oriental demande entre 3 e 3,5 milhões de barris de petróleo adicionais por dia, o que deve apertar ainda mais o mercado mundial.
O Gás Natural Liquefeito (GNL) com a guerra, por exemplo, teve seus preços elevados de US$ 5 o milhão de BTU em outubro de 2020 para o pico de US$ 34 no ano passado e comercializado atualmente em torno dos US$ 27 o milhão de BTU.
"Se somar isso ao fato de que Rússia e Ucrânia são grandes importantes exportadores de alimentos e fertilizantes, a gente pode estar entrando em um período de mais inflação, insegurança energética e insegurança alimentar, aumento da desigualdade e da insatisfação das pessoas", alertou Oddone, lembrando que no caso do Brasil ainda existe o estresse adicional da campanha presidencial, que será contaminada pelas discussões sobre energia.
Também presente no debate, Luis Fernando Panelli, diplomata aposentado e ex-secretário-geral da ANP, informou que a Europa queimou seus estoques de combustíveis antes da chegada do inverno, e ainda não conseguiu migrar para uma energia menos dependente do petróleo, a chamada transição energética, que será cada vez mais postergada. Segundo ele, a transição não será nada fácil depois da segurança energética entrar na pauta dos europeus com as suspensões e ameaças de suspensão de abastecimento pela Rússia.
"Os europeus estão pagando cada dia mais alto pela energia que consome, e a globalização dos preços talvez demore um pouco ainda. A tempestade perfeita será a alta dos preços combinado com inverno rigoroso na Europa em 2022", afirmou Panelli, ressaltando que uma crise social na Europa pode contaminar a economia de todo o mundo.
De acordo com Panelli, a Alemanha, um dos países que lidera o movimento para o fim da era do petróleo, teve a geração de energia eólica reduzida a um quarto no ano passado por falta de ventos, e o uso de carvão, o mais poluente das fontes energéticas, teve crescimento de 36% naquele país. Tudo isso deixa os planos de redução de emissões cada vez mais distantes, na avaliação do ex-diplomata.
"Além disso, a Opep não dá sinal de que vá aumentar a produção de petróleo e o barril vai ficar em torno dos US$ 100 dólares por muito tempo, a não ser que tenha paz na guerra entre a Rússia e a Ucrânia", observou Panelli, que assim como Oddone avalia que existe uma falta de coordenação na Europa sobre a questão energética, o que compromete a consolidação de uma solução para a alta de preços.
Conteúdo Estadão