Em agosto de 2025, o agronegócio brasileiro sentiu os primeiros tremores do "tarifaço" imposto pelos Estados Unidos. Com uma sobretaxa de 50% atingindo diversos de nossos produtos, sentimos as reações e os impactos iniciais, traçando um panorama sobre o café, a carne e a soja, que são as cadeias vitais para nossa economia.
O que vi foi um cenário de adaptação rápida, mas não isento de desafios e de um certo desconforto.
Café: onde a mudança foi mais sentida
No setor cafeeiro, o choque foi imediato e bastante claro. Nossas exportações de café industrial em agosto, que somaram cerca de 3,14 milhões de sacas, registraram uma queda anual de 17,5% em volume. Contudo, é curioso notar que a receita aumentou, um indicativo inequívoco de que os preços internacionais se elevaram, talvez uma consequência direta do redirecionamento de oferta.
As vendas para o mercado americano, em particular, desabaram quase 46% em comparação com agosto do ano anterior. Com uma taxa de 50%, a venda para os EUA simplesmente deixou de ser viável. O que se viu, então, foi uma agilidade notável em redirecionar esses volumes.
A Alemanha, por exemplo, surge como um destino que rapidamente absorveu parte dessa demanda. O café solúvel também sofreu um baque considerável nas exportações para os EUA. É evidente que essa reconfiguração impulsionou os preços do café arábica no cenário global.
Carne Bovina: adaptação e os custos ocultos
A indústria da carne bovina demonstrou uma capacidade de resposta impressionante. No curto prazo, a busca por mercados alternativos foi intensa, como o México, Rússia e países asiáticos foram rapidamente ativados. Os números gerais de exportação de carne continuam altos, o que à primeira vista poderia mascarar o problema.
No entanto, a diminuição nas vendas diretas aos EUA foi inegável no primeiro mês. Isso obriga frigoríficos e exportadores a um esforço extra para renegociar rotas e destinos, o que naturalmente acarreta custos adicionais e prazos mais longos.
Os dados oficiais confirmam a força das vendas externas no acumulado do ano, mas a composição desses destinos está, sim, em plena mutação. A agilidade é louvável, mas a real dimensão dos custos dessa reengenharia comercial ainda se revela com o tempo.
Soja e derivados: impacto mais tênue, por enquanto
A dinâmica da soja foi diferente, e talvez menos dramática neste primeiro momento. A China segue sendo a grande protagonista do mercado global de óleo e farelo, e a demanda por soja sul-americana para embarques de outono foi robusta em agosto.
O que observo é que parte da demanda que se afastou dos EUA buscou fornecedores em nossa região, o que indiretamente nos beneficiou. Assim, o efeito direto do "tarifaço" sobre a soja brasileira pareceu mais brando que para o café e a carne.
O grande ponto de interrogação, contudo, reside na volatilidade e na potencial reprecificação internacional caso essa "guerra tarifária" se estenda. O equilíbrio é frágil, e a dependência de um único grande comprador pode ser uma faca de dois gumes no longo prazo.
Ajustes do setor: apreensão controlada
As empresas e associações do agronegócio não perderam tempo. Houve antecipação de embarques, busca ativa por novos compradores e um reforço na comunicação com governos e clientes.
É digno de nota que líderes do setor já descartaram tentativas de "reexportação via terceiros" para contornar as tarifas. A prudência prevaleceu, reconhecendo os riscos de detecção e as possíveis complicações.
No entanto, essa fase de ajuste não é gratuita. Ela gera atrasos, impactos financeiros (como em contratos e financiamentos atrelados a datas de embarque) e uma pressão palpável sobre as margens de lucro.
O futuro imediato e novas rotas e desafios
Minha leitura para os próximos meses é clara: se a sobretaxa de 50% se mantiver, os volumes vendidos aos EUA continuarão reduzidos. O Brasil está sendo forçado a consolidar rotas alternativas para uma parte significativa de suas exportações.
Para produtos com cadeias de processamento mais ligadas aos EUA, como alguns cafés industriais e certas carnes processadas, a perda de mercado pode se traduzir em margens menores e exigirá um esforço comercial ainda maior.
Já no universo das commodities muito dependentes da China, como a soja, o futuro dependerá mais dos movimentos dos compradores chineses e da intensa competição global entre os países produtores.
Este primeiro mês foi de aprendizado e adaptação forçada. A resiliência do nosso agronegócio é visível, mas os desafios impostos por essa nova realidade tarifária são complexos e exigirão inteligência e persistência contínuas para serem superados.