28/11/2024 às 10h43min - Atualizada em 28/11/2024 às 10h43min

​Carrefour, carne brasileira e uma crise internacional: a política por trás da boa-fé

Fred Almeida
Foto: divulgação
A declaração do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, afirmando que as lojas do grupo na França deixariam de comprar carne dos países do Mercosul, foi um estopim para uma crise que vai além da economia. Mais do que apenas palavras, sua postura expôs as tensões de uma disputa comercial enraizada entre os interesses protecionistas europeus e a competitividade agropecuária brasileira.

Enquanto agricultores franceses se preocupam com o impacto do acordo entre União Europeia e Mercosul, afirmando que produtos agrícolas do bloco sul-americano não seguem os padrões ambientais europeus, os produtores brasileiros retrucam. Afirmam que obedecem a normas rigorosas e que sua legislação ambiental é, em muitos aspectos, até mais severa que a europeia. Fica claro, no entanto, que o discurso de proteção ambiental é, na verdade, um véu para uma política protecionista que tenta conter produtos mais baratos e competitivos.

A reação no Brasil foi tão rápida quanto contundente. Produtores iniciaram um boicote às vendas para as lojas do Carrefour no país, ação que se estendeu para o frango nesta semana, enquanto o governo exigiu retratações formais. Em resposta, o Carrefour emitiu uma nota tentando remediar o impacto: Pediu desculpas e citou interpretação errada da comunicação, e que os brasileiros entenderam como uma crítica aos produtos agropecuários produzidos pelo país. 

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, manifestou indignação com a situação, destacando o absurdo das declarações do CEO do Carrefour. “Não é pelo boicote econômico. “É a forma com que o CEO do Carrefour tratou a qualidade sanitária das carnes brasileiras”, disse. “A França compra carne do Brasil há quarenta anos, só agora que ele foi detectar isso?”

O CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, pediu desculpas pela confusão gerada, quando afirmou que não compraria mais carne dos países do Mercosul. Em carta enviada ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, Bompard afirmou: "Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas." Ele ressaltou que o Carrefour continua comprometido com a compra de carne brasileira e com a parceria com os produtores do Brasil.

O pedido de desculpas, embora bem-vindo, não resolve a questão principal: o protecionismo francês continua utilizando justificativas ambientais para restringir o comércio. O que começou como uma declaração infeliz revelou a pressão interna enfrentada por empresas multinacionais que tentam equilibrar mercados globais e interesses locais.

Essa situação ocorre em um momento crítico, em que Mercosul e União Europeia parecem estar perto de fechar um acordo comercial histórico, após mais de duas décadas de negociações. O tratado envolve 31 países e cerca de 20% da economia mundial. Contudo, a resistência francesa tem sido um obstáculo recorrente, com Emmanuel Macron citando questões ambientais como justificativa para barrar o avanço do acordo. Recentemente, protestos massivos na França mostraram a insatisfação dos pecuaristas locais, temerosos de que produtos do Mercosul inundem seus mercados.

É inaceitável que uma empresa como o Carrefour, presente há décadas no Brasil, permita que discursos protecionistas contaminem suas relações comerciais. Essa situação exige mais do que desculpas: pede comprometimento com a verdade sobre a qualidade da carne brasileira e um posicionamento firme contra barreiras disfarçadas de preocupações ambientais. Que as relações entre Brasil e França, tão importantes em vários setores, não fiquem à mercê de discursos equivocados e mal fundamentados.

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