Quem acha que o maior estrago que a Rússia pode fazer ao agronegócio brasileiro é deixar de exportar fertilizantes nitrogenados, provocar a diminuição da área plantada e a produtividade por hectare, está redondamente enganado ou mal informado. Ela tem um projeto em franco desenvolvimento para se tornar grande produtora e exportadora de grãos e, principalmente soja, atingindo o coração da joia do agronegócio brasileiro e das nossas entradas de capital.
A pergunta que vem à cabeça é: como isso pode acontecer? A resposta inimaginável é que tudo isso é resultado do aquecimento global. Embora o país tenha um pouco mais que o dobro do tamanho de todo o território brasileiro, a maior parte dessas áreas, próximas ao Ártico, são congeladas. E o “permafrost” (camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada) impede que, mesmo que o gelo superficial desapareça, a flora apareça e se desenvolva. Esse é o grande problema.
O “permafrost” do Ártico - e proximidades, está derretendo mais rapidamente do que todos os cientistas previram e provocando o surgimento de uma vegetação jamais imaginada naquelas vastas terras isoladas, antes inférteis. Para complicar os atuais produtores mundiais, a Rússia detém tecnologia capaz de otimizar o avanço da agricultura na região, com as adaptações que a cultura necessita.
Divisando a tundra ártica, começa a explodir a produção de soja, jamais imaginada pelos agricultores daquele país. São planícies imensas que estão se revelando terras férteis para a agricultura. Um dos pais do programa para expandir a agricultura para as terras que estão descongelando é o agrônomo Gennady Bochkovsky. Suas pesquisas estão adaptando a soja para aquela região. Naquela terra, ela precisa de cem dias consecutivos com altas temperaturas.
Uma das empresas empenhadas nas pesquisas para tornar o país em um grande produtor e exportador de soja, é a TulamashAgro, onde Gennady trabalha. Ele faz experimentos numa área que só produzia ervilhas e hoje tem 1.400 hectares produzindo soja. “Podemos ver que o clima está mudando – há mais calor e as culturas que antes não cresciam aqui agora podem se dar bem”, revelou Gennady Bochkovsky.
Embora os Estados Unidos, ao lado do Canadá, Groelândia, Finlândia, Dinamarca, Islândia, Suécia, Noruega, que compõe o Conselho do Ártico, se oponha à posição da Rússia, que tem a presidência rotativa em 2022 e 2023, que não quer combater o aquecimento global na região por causa das vantagens que espera ter com a exploração de imensas áreas no seu território, o estado americano Dakota do Norte, de uma hora para a outra, se tornou um grande produtor de milho, e até o Reino Unido começa a plantar videiras e ver a produção de vinhos refinados, jamais imaginada, começar a concorrer com produtores tradicionais.
Há uma década, a Rússia produzia soja preocupada com a sua própria segurança alimentar. Desde a descoberta que grandes áreas férteis de seu território, investe na no cultivo da oleaginosa. Em 2019 ela plantou 1,1 milhão de hectares, 18 vezes mais do que plantava na primeira década deste século. Equivalente a 7% de toda a área cultivável até aqui conhecida no território russo. Mesmo assim, o país ainda depende de importações de 1 milhão de toneladas. Os números das safras subsequentes não são conhecidos. O certo é que eles continuem aumentando.
O chefe do departamento de Pesquisa de Oleaginosas Pustovoit de Culturas Oleaginosas, Sergei Zelentsov, afirma que “o país precisava de mais soja e, do ponto de vista econômico, é melhor cultivá-la no mercado interno”. A chefe do Instituto de Pesquisa Agrícola Chuvashia, Margarita Fedeyeva, diz que a as variedades plantadas nas regiões árticas precisam de temperaturas superiores a 10 graus Celsius ao menos 100 dias ao ano para o ciclo se completar, até o amadurecimento. A produtividade dobrou em uma década, mas a produção quadruplicou.
Pesquisadores da Universidade de Copenhague, da Dinamarca, estão assustados. Jens Hesselbjerg Christensen, professor de climatologia, diz que o gelo ártico está derretendo mais rápido do que os modelos teóricos previram. “Nossas analises das condições no Oceano Ártico mostram claramente que subestimamos o índice de aumento da temperatura na atmosfera mais próxima do nível da água, o que acabou derretendo o gelo mais rápido do que havíamos previsto”.
Nesse novo Planeta que se avizinha, a Rússia vai ter uma perda. Começa a ficar escassa a terra com temperatura adequada para a produção de trigo. Com a disponibilidade de insumos, o próximo passo é o avanço da pecuária bovina, suína, ovina e avícola.
Os países que se opõem ao derretimento do gelo no Ártico têm um motivo bastante nobre. A região do “permafrost”, congelado, apreende mais gás carbônico, que aumenta o aquecimento global, que todos os outros biomas do Planeta. Mas o pulo do gato da Rússia para torcer pelo aquecimento global na região, nem é se transformar em um grande player do agronegócio, embora a previsão é que isso vá acontecer. Abaixo do gelo ártico, existem as maiores reservas de petróleo e gás natural que, sem o aquecimento, jamais poderão ser alcançadas.
O interesse da Rússia é tal que mantém na região 52 navios quebra-gelos e de pesquisa, contra apenas 2 dos Estados Unidos.
Por todos os motivos expostos, é necessário que o agronegócio brasileiro tenha um plano diretor para o setor. Que tenha consciência dos avanços que podem afetar nossa economia em um setor brasileiro na vanguarda da produção, tecnologia e geração de renda que banca nosso desenvolvimento. O começo e o fim são as permanentes pesquisas para adaptar nossas variedades de todas as culturas, às temperaturas cada vez mais elevadas, e com urgência. Não é momento para observar o desastre se aproximar sem que nos antecipamos a ele.
Hoje, todos acham que o nosso maior problema provocado pela Rússia é a importação de fertilizantes nitrogenados. Esse problema vem sendo atacado com a construção de dutos que trarão o gás necessário do pré-sal, o insumo mais importante para a produção do fertilizante nitrogenado em solo brasileiro.
Fontes: Agência Bloomberg, Revista Exame, Agrolink