É conhecido que o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo. Esse peso inviabiliza alguns setores e deixa outros tantos respirando por aparelhos. Ainda assim, o governo mantém firme sua política de aumento de tributos. Desde janeiro de 2023 foram 25 medidas para elevar tributos ou criar novas taxações.
O desespero do setor produtivo nacional é ver seus custos pressionados por uma inflação persistente acrescido do impacto dos frequentes aumentos de tributos e taxas, forçando as empresas a diminuir suas margens ou perder mercado. A consequência é a explosão no número de recuperações judiciais e aumento das falências, especialmente das empresas menores.
Dentre todos os setores, o automotivo é considerado estratégico por sua longa e complexa cadeia produtiva, com forte capacidade de geração de emprego e valor agregado. Por décadas, foi considerado a menina dos olhos do projeto desenvolvimentista brasileiro e meio de fomentar o desenvolvimento industrial. Um esforço que remonta a Juscelino Kubitschek, e que a duras penas conseguiu criar uma indústria automotiva – ainda que custe generosos subsídios até os dias de hoje.
O Brasil necessita urgente de um redesenho da sua estrutura burocrática, cortar custos e abandonar o patrimonialismo, a jabuticaba preferida dos políticos tupiniquins. Apenas isso daria margem para a diminuição dos impostos de forma generalizada. Mas, e quando surge uma diminuição específica em meio a um mar taxas e tributos crescentes? É preciso analisar muito bem. Afinal, um governo que luta pela arrecadação de cada centavo, só pode abrir mão por algo muito vantajoso, focando o desenvolvimento nacional, certo? Deveria.
Em um país que exige uma verdadeira engenharia de custos, qualquer diferença causa impacto. Especialmente quando não é para aliviar a carga do setor como um todo, mas para beneficiar uma empresa estrangeira com forte apoio estatal em seu país de origem.
Dito isso, é intrigante que o governo federal concedeu à BYD uma vantagem poderosa frente aos concorrentes: redução temporária de tarifas para os modelos de produção SKD/CKD com as peças 100% chinesas. São veículos parcialmente montados e apenas finalizados aqui; ou kits desmontados com montagem completa aqui. Mas esse modelo gera muito menos valor adicionado local e ainda concorre com nossa indústria, sufocada por tributos, o que acaba soando um tanto desleal com os produtores nacionais.
Por falar em deslealdade, a China enfrenta em diversos países, como na UE, investigação formal e acusações de dumping na venda de seus EVs (veículos eletrificados), artificialmente mais barateados devido a subsídios estatais massivos do governo chinês. Segundo o relatório da UE, esse subsídio pode chegar à 40% para sua produção e exportação. Vale lembrar que o modelo político chinês não aceita empresas 100% privadas por lá, todas precisando ter participação estatal, o que piora o problema.
Os presidentes de quatro montadoras já instaladas no Brasil: Volkswagen, General Motors, Stellantis e Toyota —, por meio da Anfavea, enviaram uma carta ao presidente Lula em julho de 2025 alertando que a redução de impostos para importação de kits SKD e CKD para veículos elétricos poderia comprometer investimentos e empregos já previstos no Brasil. Essas quatro empresas representam R$64 bilhões dos R$95 bilhões de investimentos anunciados para o setor até 2031. Vale a pena correr esse risco?
O argumento é que permitir esse regime seria mais que uma fase transitória: seria um novo modelo consolidado, reduzindo o adensamento da cadeia produtiva nacional, afetando diretamente a produção das fábricas nacionais. Estamos falando de um setor responsável por 22% do PIB industrial e que emprega mais de um milhão de pessoas direta ou indiretamente. Então, é necessário uma análise atenta, pois podemos estar jogando no colo dos chineses uma parte significativa da produção nacional.
Nosso governo concedeu a um produto internacionalmente reconhecido por dumping uma redução de tarifa especial, fazendo com que carros produzidos na China sejam ainda mais atraente. A consequência disso é que montadoras que atuam no Brasil com produção nacionalizada repensarão investimentos, podendo até mesmo rever sua atuação no país, como fez a Ford recentemente devido aos custos e impostos.
Em troca de uma vantagem pontual e politicamente motivada aos chineses, podemos estar rifando décadas de esforço industrial e minando a confiança de investidores que, até aqui, insistem em acreditar no Brasil.