Acredito que muitos de nós passamos pela experiência, quando crianças, de participar de um jogo de tabuleiro. O comum era alguém mais experiente explicar as regras antes da partida começar, para que todos entendessem o jogo. Da mesma forma, quase sempre aparecia alguém que tentava encontrar uma brecha ou modificar alguma regra para obter vantagem indevida, causando grande alvoroço na partida.
Por isso, ter regras claras garante maior tranquilidade, permitindo a tomada de decisões e a ação em um ambiente previsível, amparado pelas regras previamente conhecidas. Assim, um bom jogador consegue se destacar, escolhendo estratégias vencedoras e aproveitando as oportunidades que a sorte oferece.
Esse é um pressuposto retirado da vida real. A existência de regras é necessária para que as decisões possam ser bem avaliadas em relação à sua aplicação, além de possibilitar a compreensão das consequências e a antecipação de cenários, com base naquilo que é lícito. Boa parte do avanço social e da própria estrutura do Estado baseia-se nessa necessidade de organização burocrática, que, em contrapartida, oferece estabilidade, sustentada por impostos que financiam essa estrutura.
Em economia, esse raciocínio mantém-se válido. As “regras do jogo” são definidas pela legislação e pelas normas, formando a estrutura jurídica que ampara a atividade econômica. No entanto, essa não é a única influência existente. Além do ordenamento jurídico, outros fatores compõem a complexidade econômica e impactam as decisões dos agentes econômicos – empresas e investidores.
A tecnologia, por exemplo, é um desses fatores que introduzem imprevisibilidade na economia, alterando a produtividade de quem produz, criando novas modalidades de negócios e, ao mesmo tempo, pondo outras em xeque. Esse processo molda o comportamento do consumidor de forma dinâmica e incerta. Antecipar cenários de grandes avanços tecnológicos é complexo justamente porque não existe uma maneira clara de prever os próximos passos nem de calcular, na prática, o impacto real das novas tecnologias.
O momento atual da evolução tecnológica nos coloca em meio a um cenário revolucionário, no qual a velocidade das mudanças é tão grande que se torna impossível prever como a tecnologia transformará o comportamento e o consumo das pessoas. A inteligência artificial já é uma realidade, com impactos exponenciais, mas estamos longe de compreender todo o seu potencial. À medida que a economia se digitaliza cada vez mais, surgem novos modos de trabalho, praticamente autônomos e geradores de grande valor, que acompanham a demanda das pessoas em suas rotinas produtivas e recreativas. Estamos à beira do momento mais disruptivo da história da humanidade, na fronteira entre o real e o virtual.
Diante desse cenário, seria de se esperar que, pelo menos nas normas e nas relações econômicas consolidadas, existisse uma base capaz de proporcionar previsibilidade. Em meio a tamanha complexidade, seria essencial oferecer alguma estabilidade durante a revolução tecnológica. No entanto, também vivemos um período de transição normativa, cujas consequências são de difícil antecipação. As mudanças provocadas pela reforma tributária, o novo imposto do IVA, jurisprudências, novos pareceres da Receita Federal, elevação de carga tributária e novos impostos têm dificultado que as empresas alcancem um mínimo de previsibilidade orçamentária para novos investimentos. Esse quadro pode levar a um período de paralisia perigosa para uma política econômica já desacreditada.
É hora de pedir pelo básico: normas claras, simples, estáveis; com uma política econômica coerente, com direcionamento, sem surpresas. Em um momento de tantas incertezas, precisamos de regras sólidas para orientar a economia e construir o futuro.