Brasil registra nascimento dos primeiros bezerros geneticamente editados

Resultados iniciais mostram sucesso na edição genética e reforçam perspectiva de melhor produtividade

André Luiz Casagrande
30/05/2025 09h01 - Atualizado há 2 dias
Brasil registra nascimento dos primeiros bezerros geneticamente editados
Foto: Embrapa

Os primeiros bezerros geneticamente editados a partir de embriões fecundados in vitro nasceram no país. Inédito na América Latina, o feito foi anunciado pela Embrapa em parceria com a Associação Brasileira de Angus e representa um marco para a bovinocultura nacional. O projeto busca desenvolver bovinos mais resilientes às altas temperaturas e às mudanças climáticas, usando a tecnologia de edição genética CRISPR/Cas9.

Conforme explica o médico veterinário e pesquisador da Embrapa Gado de Leite, em Juiz de Fora, MG, Luiz Sergio de Almeida Camargo, a pesquisa começou em 2022, para otimizar um procedimento de gerar embriões bovinos editados. “Em 2024, com avanço dos resultados, decidimos, em parceria com a Associação Brasileira de Angus, transferir embriões para receptoras para a prova de conceito, provar que o que estávamos fazendo no laboratório estava no caminho certo”, relata.

Ele conta que, neste estudo, foram inseridas mutações em uma região especifica no gene receptor da Prolactina em bovinos da raça Angus e que mutações similares são encontradas em alguns bovinos naturalizados na América Latina e Caribe, trazidos pelos portugueses e espanhóis no início da colonização, a mais de 400 anos.

Camargo informa que esses animais, para suportarem o calor, desenvolveram mutações neste gene para que seu pelo fosse mais curto e facilitasse a troca de calor. Essas mutações não existem na raça Angus que possuem pelos longos que dificultam a termorregulação no calor.

“O que fizemos foi introduzir mutações similares na mesma região do gene em embriões da raça Angus. Os embriões foram transferidos para receptoras (barrigas de aluguel) e nasceram os bezerros com as mutações e os pelos curtos. O principal resultado foi o fenótipo de pelo curto e liso de dois bezerros”, complementa.

Como funciona a técnica e quais seus benefícios

O veterinário relata que, para o procedimento, foi usada a tecnologia de CRISPR/cas9 e otimizada para um procedimento de eletroporação para embriões bovinos fecundados in vitro.  A CRISPR é um sistema de edição de genes onde uma guia de RNA é desenhada para ser idêntica à uma região no DNA. Como a sequência da guia é idêntica à região alvo no DNA, ela se alinha ao DNA.

Ele explica que quando há esse alinhamento, ela atrai uma enzima (nuclease Cas9, por exemplo) que quebra a fita do DNA na região específica identificada pela guia. Quando a fita de DNA quebra, ocorre um auto reparo desta quebra. Neste momento de reparo são feitas as edições no gene, pela inclusão ou remoção de mutações. Isso é feito pela própria célula. “Nós aplicamos essa abordagem para zigotos (embriões de 1 célula) usando a eletroporação, para permitir que a guia e a enzima entrassem na célula sem prejudicar a viabilidade do embrião”, acrescenta.

Diante disso, segundo Camargo, o impacto esperado é maior fertilidade e rendimento em climas mais quentes com os animais editados. Com isso, ainda de acordo com o veterinário, eles poderão, por exemplo, ser criados de forma extensiva em regiões tropicais e subtropicais, como em alguns estados brasileiros, e ter maior capacidade de enfrentar as mudanças climáticas.  

Outros impactos

Na avaliação do veterinário, com base na iniciativa, ao sofrerem menor estresse térmico, os animais poderão ser mais saudáveis, além de mais produtivos e precoces em ambientes tropicais e subtropicais, que compreendem a maior parte do globo terrestre.

O reflexo disso é maior produtividade por área, uma vez que maior produção por área contribui para reduzir a demanda de terras para se produzir a mesma quantidade de alimento; isso significa usar menos terra para se produzir mais alimento. Além disso, ele pontua que menos animais para se produzir mais alimentos também reflete na quantidade de emissão de gases de efeito estufa, no caso o metano por ruminantes.

“Quanto menos animais para se produzir uma métrica de alimento, menor será a emissão de metano para se produzir a mesma quantidade de alimento. Por exemplo, se 8 animais conseguem produzir a mesma métrica de 10 animais, menos metano estará sendo emitido na atmosfera (8 vs 10 animais)”, reforça.

Por fim, Camargo esclarece que, no Brasil, estudos com engenharia genética seguem as normas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que avalia se um animal editado será ou não será considerado um animal transgênico. 

“Para não ser transgênico, o animal não deve conter DNA ou gene de uma outra espécie.  Esse é o caso dos animais nascidos, que possuem mutações similares aquelas encontradas em bovinos naturalizados na América Latina e Caribe”, conclui o pesquisador.


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