Com a nova taxa Selic fixada em 14,75% ao ano, o setor produtivo brasileiro opera sob pressão crescente. Os juros elevados são uma resposta ao atual cenário macroeconômico — marcado por inflação persistente, câmbio volátil, pressão de custos e, sobretudo, pela política fiscal expansionista do governo, que insiste em operar em déficit.
Esse ambiente alimenta um ciclo vicioso: o aumento dos gastos públicos eleva a percepção de risco, o que pressiona o dólar; o câmbio mais alto encarece insumos e produtos, alimentando a inflação; e, diante dessa inflação resistente, o Banco Central se vê forçado a elevar ainda mais os juros. Um ciclo que penaliza diretamente a atividade produtiva nacional. Além dos problemas internos, é necessário lidar com a tensão entre Estados Unidos e China, que coloca o Brasil no centro de uma disputa comercial estratégica.
Para o produtor rural, essa instabilidade global pode se transformar tanto em oportunidade quanto em ameaça: se o conflito se prolongar, a China dependerá ainda mais do Brasil para garantir sua segurança alimentar. Por outro lado, um eventual acordo entre os dois gigantes pode devolver aos norteamericanos o protagonismo no fornecimento de commodities, deixando o Brasil em posição secundária. Tensão que deixa produtores em compasso de espera entre resultados dramaticamente antagônicos.
Enquanto o desfecho permanece imprevisível, a realidade é o aumento dos custos de produção. Com custos e juros em alta, a rentabilidade do produtor cai, e o acesso ao crédito se torna mais caro — causando uma crise no setor. O crédito rural, essencial para manter o setor girando, está cada vez mais comprometido.
Nesse ambiente hostil, cresce um fenômeno preocupante: o aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial no campo. Muitos escritórios especializados, cientes das dificuldades dos produtores, oferecem insistentemente serviços com ênfase na recuperação judicial. Prometem renegociação de dívidas com descontos de até 50% e suspensão de execuções – a salvação da lavoura. Diante das dificuldades inerentes a este cenário e da pressão para honrar compromissos, muitos acabam por ceder na tentativa de preservar seu negócio.
Segundo dados da Serasa Experian, em 2024 houve um crescimento de 138% nas solicitações de recuperação judicial no agronegócio, totalizando 1.272 pedidos. O número de produtores rurais pessoa física que aderiram ao mecanismo saltou 350%, atingindo 566 solicitações. Entre empresas do setor, foram 341 pedidos apenas no primeiro trimestre de 2025 — 38% a mais que no mesmo período do ano anterior.
Apesar de ser um instrumento legítimo, a recuperação judicial vem sendo, em alguns casos, utilizada de forma precipitada ou oportunista. Há relatos de produtores que ingressam com o pedido antes mesmo dos trâmites de renegociação com seus credores, o que mina a confiança entre as partes. Essa prática pode parecer, à primeira vista, satisfatória, mas carrega um custo oculto e perigoso.
Seu uso indiscriminado diminui a confiança no setor. E confiança é o ativo mais importante da economia. Quando os credores percebem um movimento generalizado de inadimplência estratégica, a resposta do mercado é certa: encarecimento do crédito, retração da oferta e maior seletividade. Isso atinge não apenas quem precisa da ferramenta de forma legítima, mas toda a cadeia produtiva.
A recuperação judicial deve ser usada com planejamento e propósito. Sua função é reestruturar uma atividade produtiva viável — não servir como válvula de escape jurídica para evitar acordos ou protelar obrigações. O mau uso desse instrumento pode ameaçar a credibilidade do agronegócio, gerando ainda mais dificuldades.
Em tempos de juros altos, volatilidade internacional e déficits persistentes, proteger o crédito rural é mais do que uma prioridade: é uma exigência estratégica. O Brasil precisa escolher entre fortalecer a confiança ou ver o oportunismo minar um dos pilares de sua força econômica.