17/02/2022 às 10h14min - Atualizada em 17/02/2022 às 10h51min

Câmara Federal retira órgãos de controle de saúde na liberação dos agrotóxicos

Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados dia 9 de fevereiro altera radicalmente a forma de registro e aprovação de agrotóxicos no Brasil. O texto segue para o Senado Federal e pode sofrer modificações. Caso isso aconteça, ele volta para ser rediscutido pela Câmara. Seja como for, os deputados federais mexem em um dos assuntos mais controversos do agronegócio brasileiro.

O projeto retira a obrigatoriedade da aprovação final da Agência Nacional de Vigilância (Anvisa), do Ministério da Saúde, do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama a palavra final sobre a autorização de registro e uso dos defensivos agrícolas e transfere a palavra final para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). No entanto, os órgãos de controle sanitários continuam emitindo pareceres. Mas eles não precisam mais ser acatados. Serão apenas referenciais para a decisão do Mapa.

Um dos pontos mais controversos é o direito concedido pela Câmara Federal para a liberação provisória. Nesse caso, ele pode ser liberado imediatamente pelo Mapa, antes mesmo da análise final, enquanto o processo burocrático se desenrola. A reclamação dos fabricantes e usuários dos defensivos é que os registros estavam demorando até 8 anos para serem concedidos.

O tema coloca em lados opostos produtores rurais, fabricantes, ecologistas e cientistas. O Brasil é hoje o maior produtor mundial de grãos do Planeta e, por consequência, o país que mais usa agrotóxico na agricultura. Além do grande consumo, até 2021 foram autorizados 562 agrotóxicos, o maior número desde que começou a ser feita a estatística. Apenas 33 são inéditos (5,9%) e 529 são genéricos (94,1%). São 14% a mais do que em 2020, quando estavam autorizados 403 pesticidas.

Apenas entre 2000 e 2010, o uso dos produtos saltou de 39,5 mil toneladas para 127,6 mil toneladas.

Onde está o problema?

O Brasil intensificou o uso de agrotóxicos a partir da chegada da soja transgênica o final do século passado. Um dos princípios ativos, o Glifosato acaba com as ervas daninhas das lavouras, sem atacar a produção do alimento geneticamente modificado para resistir a ele. Ele representa 62% de todo o agrotóxico usado pelo agronegócio brasileiro. E provocou uma revolução na produtividade, gerando riqueza para pessoas físicas e para o Estado. Transformou a produção brasileira de grãos e colocou o país como o maior produtor de grãos entre todas as nações.

Ecologistas e cientistas dizem que o Brasil comete um crime ao ser tão liberal com essas substâncias. Eles afirmam que ele polui o meio ambiente, o solo e os mananciais que servem a maior parte da nossa população e os alimentos que são consumidos. Eles apontam vários problemas. Afirmam, inclusive, que eles são cancerígenos e que mais de 50% da população brasileira apresenta índices de defensivos no corpo superiores aos permitidos.

Pesquisa das universidades de Princeton, FGV (Fundação Getulio Vargas) e Insper revela que essa geração de riqueza tem um alto custo. Ela mostraria que a disseminação do glifosato nas lavouras de soja levou a uma alta de 5% na mortalidade infantil em municípios do Sul e Centro-Oeste que recebem água de regiões sojicultoras. Os fabricantes negam veementemente. E apresentam outros 15 estudos científicos que contradizem a pesquisa.

O atual projeto, segundo a agrônoma Marina Lacôrte, do Greenpeace, "o texto não cobre as lacunas de fiscalização, monitoramento e reavaliação de produtos, que já são precárias, e ainda retira o pouco de proteção que a população tinha". Ela é a porta voz da entidade no Brasil. Lembra que quase uma centena de agrotóxicos usados no Brasil são proibidos em outros países, principalmente na Europa. Nos Estados Unidos o Poder Judiciário já ordenou que os fabricantes paguem milhões de dólares em indenizações a portadores de doenças crônicas que alegam ser resultado do consumo ou exposição a eles.

As associações de produtores de grãos, incluindo a Associação de Produtores de Soja (Aprosoja) também rebatem os argumentos com trabalhos científicos que indicam o contrário, e alegam que os atrasos e tentativas de impedir a liberação provocam um impacto no desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Alguns sugerem que é um movimento de países produtores internacionais que veem no agronegócio brasileiro um adversário aos seus produtos no mercado internacional. O problema é, para eles, uma questão de disputa de mercados e da capacidade tecnológica que o Brasil alcançou nessa área.

Por ora, o projeto se presta à discussão do que pode ou não ser um grande problema para o Meio Ambiente. Digo por ora, porque o texto segue para o Senado, onde existem objeções quanto à retirada de órgãos científicos de controle, como a Anvisa. Ou seja: ninguém sabe ainda se ele vai ser aprovado com o mesmo texto que passou na Câmara Federal. Enquanto isso, vale a legislação anterior, onde todos os órgãos ainda atuam na liberação desses produtos.

Para os cientistas, no entanto, apenas os produtos que já estão aprovados e são comercializados no Brasil, são um perigo para a saúde pública. A pesquisa feita pelas universidades americana e brasileiras afirma que a cada ano morrem mais de 500 crianças no Brasil vítimas da exposição a esses produtos. Quanto ao grande volume usado no Brasil, ele é relativo. Afinal, o Brasil tem uma área plantada com grãos que é maior do que muitos países, inclusive os Europeus. Alguns deles, nunca produziram os grãos que são cultivados por aqui, mas fazem restrições à utilização pelo agronegócio brasileiro.


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