Economia invisível, problema ignorado: Dos subúrbios à Faria Lima

Bruno Sbrogio
01/09/2025 08h06 - Atualizado há 1 dia

Foto: reprodução

Desde meu primeiro ano na faculdade, nos primórdios dos anos 2000, sempre se falou a respeito da informalidade como um dos grandes problemas econômicos brasileiros. A argumentação era simples: se não é possível documentar, não acontece para fins de mensuração econômica. Isso fazia com que os professores sempre nos instigassem a pensar quanto do nosso PIB estava escondido sob o manto da informalidade.

De fato, o Brasil é o país do jeitinho. Muitas pessoas são obrigadas a empreender como único meio de sobrevivência, não é uma escolha. E quando a situação melhora e chegam às portas da formalização se deparam com uma avalanche de impostos e taxas, licenças e alvarás, que empurram essas pessoas de volta ao limbo econômico. A confissão dessa realidade é o Simples Nacional, um sistema especial de tributação aplicável às micro e pequenas empresas. Alguns anos depois o governo criou o MEI, no esforço para trazer mais pessoas à formalidade.

No entanto, só foi possível ter mais informações a respeito do tema por conta da digitalização dos meios de pagamento. O dinheiro em cédula, que escondia as transações econômicas informais entrou em desuso, e transações via cartão possibilitavam perceber o que antes era impossível.

Essa evolução tecnológica permitiu ao governo melhorar seu sistema de fiscalização. Transações antes invisíveis e sem nota começaram a ser percebidas pelo sistema financeiro. A Receita Federal ganhou eficiência, e hoje é modelo para fiscalizar e controlar a arrecadação de tributos. Outras instituições surgiram, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, em 1998. O Banco Central também se beneficiou das inovações e virou modelo na implementação de diversas tecnologias, como o PIX. Hoje, temos um sistema financeiro moderno e um aparato fiscalizador eficiente que conseguiu tirar boa parte da economia do país da informalidade e incluir muitos brasileiros no sistema bancário visível.

Mas uma parte do problema continuava misterioso. Faz parte da informalidade o dinheiro movimentado pelo crime, a chamada economia subterrânea. Essa sempre foi uma pedra no sapato das autoridades e uma grande curiosidade dos estudiosos da área: Qual o real volume de dinheiro que essas organizações criminosas movimentam?

Nas últimas décadas foi notória a expansão do poder dos traficantes, sobretudo nos subúrbios e comunidades. Foi possível perceber a profissionalização dessas organizações, mas ninguém sabia precisar o quão grande elas haviam se tornado. Pelo menos, até semana passada.

A operação da Polícia Federal mostrou o tamanho dessas organizações, suas ramificações e a abrangência surpreendente. Que essas organizações dominavam subúrbios já era conhecido, mas que sua influência chegava à Faria Lima, poucos imaginavam. E isso parece ser só a ponta do iceberg. São 255 empresas ligadas ao tráfico, cerca de 1000 postos de combustíveis e 40 fundos de investimentos. Só com combustíveis entre 2020 e 2024 estima-se movimento de R$ 52 bilhões. São muitos bilhões, e estamos falando de apenas uma única organização criminosa.

 A influência em diversos setores importantes da sociedade, o grande volume de recursos e dinheiro, o uso de fintechs e fundos de investimento causam surpresa. Existe uma economia subterrânea, invisível e ilícita, com um poder gigantesco operando longe dos holofotes. Se o país deseja se desenvolver, é necessário agir quanto a isso. Não se trata apenas de tráfico ou contrabando: é dinheiro que entra no mercado financeiro formal, distorce concorrência, corrompe agentes e desequilibra setores inteiros. Ou seja, não é apenas problema de segurança pública, mas também de política econômica.

Mas uma coisa não deixa de intrigar: como tanto dinheiro passou despercebido? O país tem instituições que são referência em inovação e tecnologia para fiscalização, capazes de fechar o cerco com relação a pequenas inconsistências em uma declaração de imposto de renda de um cidadão comum. Como alguém cria fundos com bilhões de reais de dinheiro ilícito e ninguém percebe?

O que ficou claro é que essa ‘economia subterrânea’ deu origem a organizações que estão dominando setores importantes, alcançando um nível de influência que pode ser maior do que imaginamos. Se apenas uma operação colocou a Faria Lima – coração financeiro do Brasil – lado a lado com essas organizações criminosas, até onde pode se estender sua influência?

Em um país onde os micro e pequenos empresários penam para pagar tributos, muitos precisando recorrer a REFIS, onde mais de 60% das empresas fecham em até 5 anos. Um país com órgãos e instituições que são referência em tecnologia e eficiência de fiscalização, como o crime conseguiu prosperar tanto e passar despercebido?

O que parece invisível está diante de nós. Ignorar essa economia subterrânea é condenar o Brasil a conviver com um poder paralelo que já não se esconde mais. E se dinheiro é poder, estamos diante de um enorme problema.