Consumo, logo existo: o altar do consumo e o sacrifício do bem-estar

Bruno Sbrogio
07/07/2025 08h01 - Atualizado há 1 dia
Consumo, logo existo: o altar do consumo e o sacrifício do bem-estar
Foto: reprodução

Na última semana, foi divulgada uma pesquisa alarmante sobre como o brasileiro se relaciona com o dinheiro. A fintech Onze entrevistou mais de 8 mil pessoas, entre trabalhadores CLT, autônomos, concursados, aposentados e desempregados. Para 72% dos entrevistados, a situação financeira afeta a saúde mental e emocional; 51% dizem que a renda não cobre completamente as despesas; e 49% apontam o dinheiro como sua maior fonte de preocupação acima, inclusive, da saúde, que preocupa 19%.

Mas não é apenas como gatilho emocional negativo que a situação financeira está causando impacto. Também ficou evidente na pesquisa o despreparo com que a maioria da população lida com o dinheiro. 61% das pessoas relatam não ter recursos para emergências de qualquer natureza, inclusive as mais graves. Destas, 15% estão endividadas e sem qualquer tipo de poupança. Ainda assim, apenas 9% afirmam não fazer controle financeiro um dado que causa estranhamento quando confrontado com a realidade de que apenas uma minoria consegue, de fato, poupar. 

Entre os 72% que afirmam que os problemas financeiros afetam negativamente sua saúde emocional, 65% dizem sentir ansiedade, 50% sofrem de insônia e 21% relataram quadros de depressão. São números dignos de uma epidemia silenciosa, que fragiliza a saúde mental e afeta diretamente a produtividade do trabalhador. E esse quadro tende a se intensificar, em um cenário de inflação persistente e sucessivos aumentos de tributos, que reduzem cada vez mais a margem de manobra nas finanças das famílias.

Ao apresentar a conquista material como objetivo máximo e o consumo como fonte de felicidade, cria-se a lógica perversa em que o ser é substituído pelo ter. A mensagem cultural transmitida é clara: a identidade pessoal está atrelada ao consumo. Esse efeito simbólico faz com que, mesmo em situações adversas, muitas pessoas não resistam à tentação de consumir — ainda que fosse mais racional poupar e pensar no longo prazo.

A antecipação do consumo, associada ao crédito fácil e às compras parceladas, além de mascarar o custo real, ilude o consumidor, perpetuando o ciclo do endividamento uma armadilha que leva muitos à bancarrota.

A tecnologia dos algoritmos e cookies das plataformas digitais atua com precisão cirúrgica, monitorando comportamentos e preferências para oferecer produtos sob medida. Elas caçam consumidores diretamente nos seus celulares, com anúncios personalizados que exploram seus interesses e os transformam em ofertas irresistíveis. São aplicativos construídos para induzir o consumo, com uma arquitetura pensada para tornar a compra instantânea poucos toques na tela, sem tempo para reflexão ou contenção do impulso.

Mas o arsenal dos vendedores não para por aí. A neuroeconomia aplicada recorre a técnicas sofisticadas de marketing, explorando vieses cognitivos como o efeito de ancoragem, a recompensa imediata e o medo de perder (FOMO — fear of missing out). Isso dificulta enormemente a postura de quem tenta poupar e cortar gastos desnecessários. Criar necessidades tornou-se uma especialidade da era digital em que grandes empresas de tecnologia têm acesso a quase todos os nossos dados, e conhecem profundamente nossas vulnerabilidades.

A cereja do bolo fica com as redes sociais, que massificam a cultura da ostentação: vitrines de vidas irreais, padrões inatingíveis, que alimentam frustração e ansiedade. Vivemos numa sociedade que valoriza as pessoas pela aparência, onde o dinheiro se torna o fiel da balança a medida do sucesso e a pobreza, uma espécie de falha moral, cujo remédio estaria no consumo. 

Estamos imersos em uma cultura que entronizou o dinheiro nos altares, transformou o consumo em culto diário e a dívida em sacrifício silencioso cujos efeitos se manifestam na degradação crescente da saúde mental que comprova a pesquisa. Urge a retomada da razão e do autodomínio, ancorados em uma educação voltada ao ser, e não ao ter. E em uma educação financeira que nos ensine a reconhecer os gatilhos da cultura do consumo e a resistir a eles.

Porque, da forma como estamos, nem mesmo a saúde mental de um monge resiste.


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