Segundo matéria do Financial Times, o Brasil é um dos grandes beneficiados pela guerra tarifária entre Estados Unidos e China. A matéria do dia 13/04 cita que o atual cenário é uma ‘bênção’ para o Brasil enquanto deixa o agro americano inseguro. Isto porque, com o aumento das tarifas entre os dois gigantes, o agronegócio brasileiro aparece bem posicionado para suprir a demanda de mercados que os EUA podem perder, colocando o país em uma posição estratégica para negociar novos acordos comerciais. Mas será que o Brasil está realmente preparado para aproveitar essa oportunidade?
A estabilidade política da América do Sul, afastada das grandes disputas geopolíticas globais, aliada à elevada capacidade produtiva agrícola, constitui um diferencial estratégico que oferece ao Brasil e à Argentina uma rara oportunidade de expansão comercial. A China, por exemplo, já impôs restrições à importação de produtos do agronegócio americano, ao ponto de levar a Associação Americana de Soja a publicar uma carta aberta à Casa Branca, pedindo urgência para um novo acordo comercial com Pequim.
É inegável que a política tarifária de Trump provocou uma reconfiguração nas relações do comércio internacional, e o Brasil, devido à sua posição e produção no agronegócio, aparece como opção natural e segura. O país já vem ampliando sua participação no mercado agroexportador, com destaque especial para a soja e a carne bovina. Agora, surge a possibilidade de se consolidar como o principal fornecedor da China, desbancando os Estados Unidos. A União Europeia, assim como outros países, também tem olhado para o Brasil em busca de segurança alimentar.
No entanto, com esse aumento da demanda, é necessário se perguntar: o país tem capacidade de produção suficiente? E, mais importante, esse crescimento pode comprometer o abastecimento interno e pressionar ainda mais os preços dos alimentos num cenário de inflação persistente e crise econômica?
Há também um risco estratégico que precisa ser seriamente considerado - a crescente dependência da China como principal compradora das commodities brasileiras. Embora, no curto prazo, esse vínculo ofereça estabilidade de demanda e vantagens comerciais, no médio e longo prazo ele pode comprometer a soberania econômica do país. Uma mudança de política interna chinesa, uma reorientação geoeconômica ou mesmo uma crise diplomática podem gerar um efeito devastador sobre nossa balança comercial e nossa economia interna, excessivamente exposta a um único parceiro, sem falar nas pressões geopolíticas decorretes da dependência de um único comprador. É o momento oportuno para diversificar mercados, expandir parcerias e mitigar esse risco.
Além disso, o Brasil segue enfrentando o pesadelo dos gargalos logísticos, que limitam a capacidade de escoamento e de armazenamento da produção. Rodovias sucateadas, ferrovias insuficientes, portos defasados e burocracia alfandegária dificultam a competitividade do agro nacional. A ausência de investimentos estratégicos em infraestrutura compromete a possibilidade de transformação real do Brasil em um polo logístico agroindustrial eficiente e moderno. É um bom momento para que o Brasil busque parceiros também para resolução desses problemas.
Precisamos responder a pergunta - como aumentar a produção sem grandes investimentos em uma infraestrutura que já opera perto do limite há décadas? Sem essa resposta, o risco é perder uma oportunidade histórica. O cenário internacional oferece ao Brasil uma valiosa janela de oportunidade no setor agropecuário. Mas transformar potencial em realidade exige mais do que boa vontade ou sorte: requer estratégia, planejamento e investimento – visão de longo prazo. Sem enfrentar os gargalos internos e sem diversificar os parceiros comerciais, o país corre o risco de se iludir, aceitando uma nova forma de dependência, agora disfarçada de sucesso. A hora não é apenas de colher, mas de plantar com inteligência. A oportunidade existe, mas premiará apenas quem estiver preparado.