O Ministério do Desenvolvimento Agrário deve anunciar em fevereiro o Desenrola Rural, programa para regulamentar as dívidas dos produtores familiares e ajudá-los com o acesso a crédito novo para o agricultor. O programa vai atender mais de 943 mil pequenos produtores e assentados da reforma agrária, que conta com passivo somado de R$19,5 bilhões.
Débitos em atraso de mais de uma ano vão ser contemplados, até mesmo os inscritos na Dívida Ativa da União (DAU) e os lançados em prejuízo dos fundos constitucionais de financiamento, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do Crédito Fundiário e do Crédito Instalação.
“O Desenrola Rural vai permitir que cerca de 1 milhão de agricultores que não podem mais tomar o crédito agrícola possam tomá-lo, tendo em vista que eles repactuarão as dívidas. Uma parte já repactuou, mas tem score negativo, e isso também será solucionado”, explicou o ministro Paulo Teixeira ao Valor.
Os programas têm como objetivo do programa zerar ou renegociar essas dívidas com descontos escalados que podem chegar até 96% do valor, dependendo do tipo da operação e promover medidas para facilitar novos financiamentos, com a remoção das restrições financeiras e dos cadastros privados de crédito desses produtores. De acordo com o ministério, não haverá custo para a União, pois a medida trata de dívidas já dadas como perdidas.
Cerca de 70% do público têm dívidas de até R$10 mil e 22% passivos entre R$10 mil e R$50 mil e 9% estão com débitos acima de R$50 mil. A maior parte do saldo devedor, de R$11,9 bilhões, está no Pronaf com risco assumido pelas instituições financeiras. Até o momento ainda não foram definidas as regras e condições para quitar ou renegociar esse montante
“Cada banco terá uma política. Temos construído com instituições financeiras públicas um padrão de desconto, que serão de até 85%”, comentou em dezembro o secretário de Agricultura Familiar do ministério, Vanderley Ziger.
O modelo da iniciativa já está pronto e depende somente da agenda do presidente Lula para ser anunciada. Para passar a valer, o Desenrola precisa da publicação de um decreto presidencial e de regulamentações das instituições
O governo pensa em realizar o evento para o lançamento do programa em uma assentamento rural, como forma prestigiar todo o setor e desfazer ruídos, principalmente com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que voltou à cogitar no ínicio deste ano pela saída do ministro Paulo Teixeira do cargo.
O Desenrola também atenderá afiliados da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Contraf).
Na Dívida Ativa da União, o público potencial é de 165 mil pessoas com dívidas de R$2,8 bilhões inscritas há mais de um ano. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deverá divulgar um edital para a renegociação do passivo, com limite de até R$ 84 mil.
As condições tem previsão de escalonamento do desconto conforme o prazo de pagamento do saldo: para 12 meses, o rebate será de 50%; para 18 meses, 45%; para 35 meses, 40%; e para 60 meses, 30%. Para dívidas iguais ou inferiores a cinco salários mínimos (R$7.590), poderá contar com desconto de até 50% com prazo máximo de 60 meses
Através do Desenrola Rural, os agricultores familiares poderão renegociar ou liquidar dívidas com os fundos constitucionais do Nordeste (FNE), do Norte (FNO) e do Centro-Oeste (FCO) contratadas entre 2012 e 2022. O prazo de adesão será até 31 de dezembro de 2025
Para zerar o passivo, haverá desconto de 80% para dívidas de até R$10 mil. Pessoas com dívidas entre R$10 mil e R$30 mil poderão ter 60% do valor descontado. Os rebates caem para 50% para passivos entre R$30 mil e R$50 mil e para 40% para saldos acima de R$50 mil. O programa também prevê descontos fixos aplicados após o desconto percentual de R$2 mil, R$4 mil e R$6 mil para as três últimas categorias, respectivamente.
Para que desejar fazer uma renegociação, o prazo será de três a dez anos. Os produtores ainda poderão ter descontos de 65%, para dívidas de até R$10 mil, de 45%, entre R$10 mil e R$30 mil, de 35%, entre R$30 mil e R$50 mil, e de 25%, acima de R$50 mil. A regra do desconto fixo é aplicada após aplicação do percentual: de R$ 2 mil, R$ 6 mil e R$ 8 mil para as três últimas categorias, respectivamente.
O Desenrola Rural vai prever descontos para dívidas do Crédito Instalação, do Incra, contratadas entre 27 de maio de 2014 e 29 de junho de 2023. Operações inadimplentes terão rebates para liquidação de até 96% na modalidades habitacional e reforma habitacional, de 90% na categoria de apoio inicial, de 80% nos financiamentos de fomento, fomento mulher, semiárido e florestal, e de 50% nos empréstimos para cacau e recuperação ambiental. O prazo de adesão será até o fim do ano.
O Ministério identificou um aumento do endividamento entre agricultores familiares na última década, resultado de fatores como condições climáticas adversas, flutuações do mercado e a pandemia de COVID-19.
Dos mais de 5,4 milhões de agricultores familiares no Brasil, 33% enfrentam algum tipo de restrição de crédito, incluindo inadimplência em financiamentos rurais e contas pessoais. O programa de renegociação de dívidas do governo focará nos 70% desses agricultores, que possuem dívidas financeiras ativas.
“Esses fatores comprometeram a capacidade de pagamento e acesso a novos créditos”, explicou o ministro Paulo Teixeira. O programa ainda prevê a “desnegativação” de agricultores familiares que constam em cadastros privados, como o Serasa.