O mau humor externo amplificou a cautela que tem acompanhado os negócios no Brasil nos últimos dias. Diante de uma combinação de notícias como o aumento de casos da variante delta da covid-19 e desaceleração das exportações da China, o dólar se fortaleceu contra a maior parte das divisas emergentes e ligadas a commodities. Por aqui, as preocupações políticas e fiscais latentes ampliaram esse desconforto, levando a moeda americana a tocar R$ 5,2989 na máxima intradiária. A acomodação ocorreu apenas após o ministro da Cidadania, João Roma, reiterar que o novo benefício social, que irá substituir o Bolsa Família, irá respeitar o teto de gastos.
Após a fala de Roma, a moeda americana chegou a operar brevemente no vermelho pela primeira vez na sessão, tocando mínima de R$ 5,2149. No entanto, não sustentou a baixa e encerrou cotada a R$ 5,2473, avanço de 0,23%.
Após o presidente Jair Bolsonaro entregar ao Congresso as propostas da Medida Provisória (MP) com a nova versão do Bolsa Família e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, Roma afirmou que o valor do novo benefício só será definido no final de setembro. A MP, que reformula vários programas sociais, não estabelece valor, mas já está decidido que vai haver um aumento de "pelo menos 50% no tíquete médio dos benefícios, atualmente em R$ 189,00, confirmou o ministro.
"Nenhuma possibilidade de sair do teto de gastos", acrescentou Roma, afirmando que o governo tem buscado espaço no Orçamento para o Renda Brasil.
“É novamente o governo afirmando que o novo programa vai ficar dentro do teto. É um alívio porque o mercado está bem estressado, mas tem que ficar de olho para saber se vai se manter”, resume o responsável pelas mesas de cambio e juros da CM Capital, Jefferson Lima.
Vale lembrar que sucessão de pontos de atenção acabou tirando de foco a perspectiva de Selic mais alta ainda este ano, que torna o real mais atrativo como investimento. Na pesquisa Focus de hoje, o ponto médio para o juro para básico no fim de 2021 passou de 7,00% para 7,25%. "Amanhã vamos ter a divulgação da ata da última reunião, que deve trazer um tom mais 'hawk' [inclinado à retirada de estímulos]. Essa perspectiva pode dar suporte ao real", diz o estrategista-chefe do Mizuho, Luciano Rostagno.
Ainda que a mediana das projeções dos analistas consultados pela Focus para o câmbio tenha se mantido em R$ 5,10 na passagem da semana, algumas instituições começam a rever seus cenários para contabilizar a piora do ambiente local e também a recuperação da economia americana. É o caso do BTG Pactual, que elevou de R$ 4,90 para R$ 5,00 sua estimativa para o dólar no fim do ano.
“Neste momento, o mercado entende que o teto de gastos do governo está ameaçado e não está hesitando em aumentar as proteções nos portfólios, que, em parte, são feitas em dólar", diz o banco em seu relatório mensal de câmbio. Os fatores tanto internacionais como nacionais, neste momento, nos impedem de afirmar que o cenário base é uma cotação do real abaixo de R$ 5,00, mas ainda entendemos que a retomada da economia no segundo semestre a partir do célere ritmo de vacinação e as elevadas exportações brasileiras devem valorizar o real até o final deste ano.”