A Rússia e a Ucrânia assinaram nesta sexta (22), um acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Turquia para permitir a exportação de grãos e fertilizantes pelo Mar Negro. Estima-se que 22 milhões de toneladas de grãos ficaram retidos na Ucrânia desde a invasão da Rússia em fevereiro passado, causando uma grave escassez global de alimentos e aumento dos preços dos produtos agrícolas.
O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o ministro da Infraestrutura ucraniano, Oleksandr Kubrakov, assinaram acordos separados com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar. A cerimônia foi testemunhada pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Segundo Guterres, o plano, nomeado como "Iniciativa do Mar Negro", abrirá caminho para volumes significativos de exportações comerciais de alimentos de três portos ucranianos importantes no Mar Negro: Odessa, Chernomorsk e Yuzhni.
Altos funcionários da ONU disseram que os primeiros carregamentos de grãos estavam a poucas semanas de distância e trariam rapidamente cinco milhões de toneladas de grãos ucranianos e outros alimentos para o mercado mundial por mês. Isso também liberaria espaço de armazenamento nos silos da Ucrânia para grãos recém-colhidos, disseram as autoridades. Isso "traria alívio para os países em desenvolvimento à beira da falência e as pessoas mais vulneráveis à beira da fome". "Isso ajudará a estabilizar os preços globais dos alimentos que já estavam em níveis recordes mesmo antes da guerra - um verdadeiro pesadelo para os países em desenvolvimento".
O acordo prevê o estabelecimento de um centro de controle em Istambul já neste sábado (23) com funcionários de Turquia, Rússia, Ucrânia e da ONU administrando e coordenando as exportações de grãos. Os navios seriam inspecionados para garantir que não haverá o transporte de armas. Horas antes da assinatura do acordo, o conselheiro do gabinete de Volodmir Zelenski, Mikhailo Podoliak, esclareceu que "a Ucrânia não assina documentos com a Rússia. Assinamos um acordo com a Turquia e a ONU e assumimos obrigações para com eles. A Rússia assina um acordo espelho com a Turquia e a ONU", escreveu no Twitter.
Ele disse que não haverá escolta de transporte por navios russos e prometeu "uma resposta militar imediata" em caso de "provocações". "Todas as inspeções dos navios de transporte serão efetuadas por grupos conjuntos em águas turcas em caso de necessidade". O acordo assinado em Istambul será válido por 120 dias, disseram as autoridades da ONU, e espera-se que seja renovado continuamente para normalizar a exportação de grãos nos próximos meses.
Crise alimentar global
A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol, mas a invasão russa do país e o bloqueio naval de seus portos interromperam os embarques. Alguns grãos estão sendo transportados pela Europa por via férrea, rodoviária e fluvial, mas os preços de commodities vitais como trigo e cevada dispararam durante os quase cinco meses de guerra. Cerca de 22 milhões de toneladas de trigo e outros alimentos estão bloqueados nos portos ucranianos por navios de guerra russos e minas que Kiev plantou para evitar um ataque marítimo. Essa crise disparou os preços dos alimentos em todo o mundo e deixou milhões de pessoas à beira da fome. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Fao), 13,1 milhões de pessoas podem enfrentar a fome em 2022 se o conflito continuar.
Guterres celebrou o acordo como "sem precedentes" entre as partes em conflito e um "farol de esperança" no Mar Negro. Ele e o presidente turco Erdogan expressaram esperança de que o acordo seja um passo no caminho para uma paz negociada. "Vocês superaram obstáculos e deixaram de lado as diferenças para abrir caminho para uma iniciativa que servirá aos interesses comuns de todos", disse Guterres, dirigindo-se aos representantes russos e ucranianos. O acordo parecia improvável há duas semanas, considerando a profunda desconfiança entre as partes em conflito e a aparente falta de incentivos para a Rússia assinar o acordo. Mas parte do trabalho da ONU - que era uma exigência russa - se concentrou em convencer as companhias de transporte e seguros do setor privado de que poderiam transportar alimentos e fertilizantes russos para fora da Rússia sem entrar em conflito com as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.
Guterres levantou pela primeira vez a necessidade crítica de levar a produção agrícola da Ucrânia e os grãos e fertilizantes da Rússia de volta aos mercados mundiais no final de abril, durante reuniões com o presidente russo Vladimir Putin em Moscou e o presidente ucraniano Volodmir Zelenski em Kiev. O ministro das Relações Exteriores da Turquia havia expressado otimismo sobre um acordo se os países ocidentais respondessem às demandas da Rússia. Nesta semana, o presidente Putin colocou uma condição adicional em qualquer acordo, exigindo que os grãos de seu país fossem incluídos nas negociações. Em relação aos grãos ucranianos, o acordo negociado estabeleceria o uso de corredores seguros no Mar Negro e a instauração de um cessar-fogo nas zonas de passagem. A Ucrânia buscou garantias internacionais de que o Kremlin não usaria os corredores de segurança para atacar o porto de Odessa. As autoridades ucranianas também acusaram a Rússia de roubar grãos do leste da Ucrânia e bombardear deliberadamente campos ucranianos para incendiá-los. "A delegação ucraniana só apoiará soluções que garantam a segurança das regiões do sul da Ucrânia, uma posição forte das forças armadas ucranianas no Mar Negro e a exportação segura de produtos agrícolas ucranianos", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores ucraniano, Oleg Nikolenko, em entrevista à France-Presse antes da assinatura do acordo.
A Rússia, por sua vez, classificou como "muito importante" permitir a exportação de grãos bloqueados nos portos ucranianos. "É uma parcela relativamente modesta do grão ucraniano, mas é muito importante que chegue aos mercados internacionais", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. Em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, disse que os EUA saúdam o acordo em princípio. "Mas o que estamos focando agora é responsabilizar a Rússia pela implementação desse acordo e permitir que os grãos da Ucrânia cheguem aos mercados mundiais. "Já faz muito tempo que a Rússia promulgou esse bloqueio", disse Price.
Antes da guerra, secas na América do Norte e no Chifre da África, colheitas fracas na China e na França e a pandemia estavam espremendo o suprimento global de alimentos. Em dezembro, os preços globais do trigo haviam subido cerca de 80% em pouco mais de um ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao mesmo tempo, um salto nos preços do petróleo e do gás precipitado pela guerra levou a um aumento ainda mais acentuado no custo dos fertilizantes feitos em parte desses combustíveis. (Com agências internacionais).
Fonte: Estadão Conteúdo