São Paulo, 18 - A negociação de bois a termo - modalidade na qual a indústria "encomenda" ao pecuarista determinado número de bovinos para entrega num prazo combinado e com valor prefixado no mercado futuro do boi gordo na B3 - parece ter mudado este ano em relação a anteriores, comentam fontes do mercado. Segundo esses participantes, frigoríficos têm modificado sua estratégia para garantir animais para abate no segundo semestre. Uma das fontes reconhece que este ano, de fato, "não está normal" no que diz respeito aos contratos fechados entre as partes. Um fator para essa mudança tem a ver com a suspensão, no ano passado, das vendas de carne bovina para a China por cerca de três meses, que deixou frigoríficos mais cautelosos na hora de encomendar bois para abate futuro. Recentemente, aliás, o gigante asiático tem suspendido várias unidades de abate de bovinos no Brasil, o que também gera apreensão. Na ponta produtora, pecuaristas relatam que, de fato, as condições de negociação de bois a termo com a indústria mudaram - além da dificuldade e redução dos contratos, outro movimento que vem sendo observado é que os frigoríficos têm preferido arrendar, eles mesmos, unidades de confinamento para engordar boiadas próprias. A diretora da Agrifatto, Lygia Pimentel, confirma que os frigoríficos vêm verticalizando a produção e ido atrás do arrendamento de estruturas de confinamento. "Esse movimento concentrou a engorda em grandes produtores", avalia. "Mas trouxe outra solução aos frigoríficos, que é a padronização de carcaça. (Compradores) se tornam responsáveis pela terminação do animal e controlam a padronização dessa carcaça, que é algo desejável", acrescenta. A Fazenda Santa Fé, localizada em Goiânia (GO), que confinou 72 mil animais no ano passado, de bois padrão exportação, confirma a queda nas "encomendas" de boiadas por parte da indústria neste ano. E viu o número de negociações da modalidade de boi a termo cair 90% de 2021 para 2022. O proprietário da fazenda, Pedro Merola, também acha que o mercado está "mudado" este ano. "Não está mais tão fácil travar (o preço do boi gordo no mercado futuro da B3) com a indústria", diz o pecuarista. "Está bem complicado." Ele acrescenta que, se o pecuarista "pedir muito" para a indústria travar preços na B3, ela aceita, "mas as condições mudaram muito". "No ano passado, a gente conseguia, por exemplo, travar o preço da arroba de São Paulo em Goiás", comenta Merola - sendo que a arroba em Goiás é mais barata do que a de São Paulo. "Mas, hoje, (frigoríficos) estão mais medrosos com os preços futuros e o referencial", avalia. O Boitel São Lucas, localizado em Goiás, que confina cerca de 15 mil animais por ano, vem realizando, ao longo das últimas semanas, volume considerável de negócios a termo, diz o gestor do confinamento da empresa, Rogério Togo. Mas não com todos os frigoríficos. Ele diz que as operações têm sido feitas, na maioria absoluta, com a Minerva. "É o único frigorífico que tem dado abertura para nós", afirma ele, sobre essa modalidade de venda de bois gordos. Ele acrescenta que JBS e Marfrig não têm oferecido a opção a termo, mas aceitam pagar as boiadas com base no índice Cepea de Mato Grosso, somente no dia de entrega dos lotes ao frigorífico. Para Togo, porém, a modalidade proposta por essas indústrias "não fica interessante", porque "perde a função de proteção". Para confinar animais, pecuaristas costumam, para se proteger de oscilações de preços da arroba, tomar como base os preços sinalizados no mercado futuro do boi gordo na B3 no momento de entrega dos lotes prontos. Assim, conseguem uma previsibilidade de lucro a partir do cálculo de todos os custos de produção e do preço da arroba futura, na hora de entrega do animal para abate. É este preço futuro que os pecuaristas costumam fechar com os frigoríficos na negociação de bois a termo. Do lado das indústrias, o gerente de Compra de Gado da Marfrig, Maurício Manduca, confirma que a modalidade de negociação de boi a termo "perdeu um pouco de força nos últimos anos". Segundo ele, "existem produtores que faziam esse tipo de operação, mas, com a alta dos preços da arroba, que ficou acima do previamente combinado, acabaram deixando de ganhar em algum momento", continua ele, afirmando ainda que o boi a termo "tem perdido a atratividade ao produtor". Manduca disse ainda que, "em alguns momentos, o mercado opera (bois a termo), em outros não". "A gente analisa caso a caso, depende muito do momento. Nos últimos anos já operamos (boi a termo) e deixamos de operar." O diretor de operações da Frigol, Orlando Henrique Negrão, avalia que a demanda pela "trava" de preços futuros na B3 pode aumentar, caso os valores dos contratos futuros do boi gordo na bolsa paulista apontem tendência de alta. Para ele, a negociação garantirá ao pecuarista a cobertura dos custos com o confinamento, eliminando o risco de se deparar com a volatilidade do mercado físico. Apesar da resistência de seus pares, Negrão defende que a negociação a termo é interessante aos frigoríficos, já que traz a garantia de fornecimento de animais prontos para abate e uma previsibilidade de custos de aquisição. JBS e Minerva foram procuradas pelo mas informaram que não falariam sobre o assunto.