17/03/2022 às 10h46min - Atualizada em 17/03/2022 às 10h46min

Guerra derruba preço do mercado de carbono e fica mais barato poluir do que evitar a emissão de gases poluentes

A invasão da Ucrânia pela Rússia atingiu em cheio o mercado de carbono da União Europeia (UE). Ele é um mecanismo que obriga as empresas que poluem a comprar licenças para mitigar as emissões de gases que provocam o efeito estufa. Quanto mais elas poluem, mais licenças elas têm de comprar. Com os preços elevados antes da guerra, elas investiam para eliminar a emissão de gases, para evitar a elevação de seus custos com a compra das licenças. Hoje, está mais barato comprar as licenças e continuar poluindo.

A repentina ação russa se transformou em duas guerras. A tradicional, militar, que causa destruição, morte, fome e doenças, e desencadeia e desorganiza a produção e a economia nos territórios envolvidos no conflito. No mundo globalizado, com as cadeias produtivas interligadas entre os países, e a chuva de sanções de toda ordem desferida pelos países ricos do Ocidente contra a Rússia, acrescentou-se às batalhas, uma segunda guerra, a econômica, sem precedentes com efeitos e dimensão não conhecidos.

Grande produtora de commodity minerais e agrícolas, e impedida de acessar o mercado global, a retirada da Rússia do comércio de energia e alimentos, provocou a explosão dos preços internacionais das matérias-primas.

Um dos mercados atingido é o de carbono. Estabelecido em 2005 como estratégia para diminuir a emissão de gases nos países industrializados, a guerra inverteu esse objetivo. Ela derrubou os preços das licenças e, comprá-las é mais barato do que investir em equipamentos e tecnologias que evitam a emissão dos gases e resíduos sólidos. Em janeiro e início de fevereiro, antes da guerra, os preços das licenças na União Europeia estavam em 97 euros ou 80 libras esterlinas. No início de março eles caíram para 60 euros. O menor desde 2014.

Na verdade, a queda é uma espécie de licença para poluir e atinge em cheio os esforços mundiais para reverter os problemas causados pelo aquecimento global definidos e discutidos à exaustão na COP26, na Escócia.

Os especialistas dizem que os grandes fundos que investem no mercado de carbono estão assustados com os efeitos da guerra. O mercado de carbono é historicamente ligado ao de energia gerada por combustíveis fósseis como petróleo e gás. A analista líder da EU Catbon Analysis, Ingvild Sorhus, disse que a guerra assustou os compradores e “levou à liquidação (venda de ações e papéis) generalizada das posições dos EUA” pelos investidores desse mercado.

Mesmo que sempre tenham andado atrelados, mercado de carbono e complexo de energia, a guerra desvinculou um do outro, dada a grande dependência do fornecimento de gás e do petróleo russos. “Alguns participantes talvez tenham sofrido grandes perdas devido ao aumento nos preços da energia e foram forçados a vender nos EUA para evitar queda nas margens” de lucro.

Segundo Sorhus, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, os investidores estão preocupados com o impacto das sanções e as consequências econômicas na União Europeia. Eles podem ter optado por se livrar a exposição “aos ativos europeus.”

Com a explosão dos preços das commodity, ela acredita que grandes indústrias tiveram prejudicado o fluxo de caixa e descarregaram os seus excedentes. A venda acentuada provou mais stop-loss e vendas automáticas. Stop-loss é uma ordem para a venda automática das ações dos fundos de investimentos que as corretoras têm, para evitar prejuízos.

A COP26 provocou um grande aumento no preço das licenças de carbono, que chegou a patamares recordes. O objetivo, foi forçar poluidores a diminuírem as emissões nos setores energético e industrial.

Há quem especule que a venda maciça das licenças pelos investidores, aumentando a oferta e derrubando os preços, foi para ter liquidez para aportar o dinheiro no mercado que explodiu com a guerra: gás natural. Ou que os grandes investidores russos estejam saindo de suas posições e sacando o dinheiro temendo às sanções.

Desde o começo de março houve liquidações pelos investidores, e parte deles pode estar movendo o dinheiro para o mercado de commodity, em busca de lucros mais atrativos. Os ativos investidos em ações do mercado de energia estão congelando por causa das sanções, impedido o acesso ao dinheiro.

O forte aumento no preço do gás vendido na Europa, que subiu em torno de 40% no começo de março, obriga os comerciantes a depositar garantias extras para manter seus investimentos no mercado futuro. Ou seja: eles vendem as licenças do mercado de carbono para fazer um colchão e se manter no mercado de gás natural.

Seja lá qual é o motivo que move os grandes investidores do mercado de carbono, o certo é que poluir está mais barato do que evitar o aquecimento global. A guerra pode ir muito além do campo de batalha. Se espalha de forma invisível e desestrutura a frágil engenharia para evitar os efeitos do aquecimento global. Pode matar bem mais que os seres humanos nos campos de batalha. O morticínio chega a toda fauna e flora.


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