Moratória da soja: Cade abre processo e impõe medidas preventivas a tradings
POR ESTADÃO CONTEÚDO
19/08/2025 17h20 - Atualizado há 7 horas
São Paulo, 19 - O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurou, na segunda-feira, 18, processo administrativo contra 30 empresas e duas entidades signatárias da Moratória da Soja e determinou medidas preventivas que suspendem de imediato a troca de informações comerciais entre concorrentes, atingindo o núcleo operacional do pacto firmado em 2006. O despacho nº 13/2025, assinado pelo superintendente-geral Alexandre Barreto de Souza na segunda-feira, lista as tradings ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Cofco, Amaggi, Viterra e outras, além da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), e prevê multa diária de R$ 250 mil em caso de descumprimento.
As determinações proíbem o Grupo de Trabalho da Soja (GTS), coordenado por Abiove e Anec, de "coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais referentes à venda, produção ou aquisição de soja", com destaque para "informações referentes a preço, volume e origem do produto comercializado". O Cade também suspendeu auditorias conjuntas e vetou que as signatárias publiquem relatórios, metodologias ou listas de conformidade. O despacho obriga que critérios de aquisição sejam utilizados "de maneira independente, adstritos à legislação nacional, sem compartilhar entre si as informações concorrencialmente sensíveis".
Com isso, o órgão inviabiliza o modelo coletivo do pacto, sem extinguir políticas individuais de compra sustentável, mas retirando a coordenação entre concorrentes que sustentava a moratória. A Superintendência-Geral cita possível infração ao artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, que tipifica práticas de cartel, conduta concertada e restrição à livre concorrência, classificando a situação como risco de "danos graves e de difícil reparação" à ordem econômica caso a prática não fosse interrompida imediatamente.
A instauração decorre de representação apresentada em dezembro de 2024 pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, com a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) listada como terceiro interessado. Desde então, a entidade articulou ofensiva contra a moratória em várias frentes: além da denúncia ao Cade, ajuizou ação civil pública de R$ 1,1 bilhão em Cuiabá contra 33 réus - incluindo tradings e entidades setoriais - e mobilizou 127 câmaras municipais para solicitar auditoria no Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT). O relatório do TCE, apresentado em abril, apontou que signatárias receberam R$ 4,7 bilhões em incentivos fiscais entre 2019 e 2024, o equivalente a 28,72% do total de renúncias concedidas pelo Prodeic no período. A Bunge concentrou R$ 1,56 bilhão (32,8%), seguida pela ADM com R$ 1,31 bilhão (27,5%), Cofco com R$ 661 milhões (13,8%) e Cargill com R$ 594 milhões (12,4%).
A decisão do Cade ocorre em paralelo ao julgamento suspenso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da Lei nº 12.709/2024 de Mato Grosso, que autoriza o Estado a excluir signatárias da moratória de benefícios fiscais a partir de 2026. O relator Flávio Dino reconheceu a legalidade do pacto como iniciativa privada, mas defendeu a autonomia estadual em política tributária, afirmando que "o poder público não é obrigado a conceder novos benefícios a empresas que resolvam exigir o que a lei não exige". Alexandre de Moraes acompanhou, e o julgamento foi interrompido em junho por pedido de vista de Dias Toffoli, deixando o placar em 2 a 0 pela norma estadual.
Recentemente, o presidente da Aprosoja-MT, Lucas Costa Beber, afirmou que "as empresas da moratória compõem um cartel responsável por 95% do mercado comprador de soja" e que "não vamos nos cansar de lutar enquanto não acabarmos com a moratória". A entidade argumenta que apenas 300 mil hectares foram desmatados em Mato Grosso após 2009 dentro do escopo do pacto, mas que 2,7 milhões de hectares permanecem bloqueados, atingindo áreas regularizadas pelo Código Florestal. Produtores denunciam ainda a existência de listas de bloqueio compartilhadas entre tradings, sem transparência nos critérios de inclusão ou exclusão.
As tradings defendem o acordo como diferencial competitivo diante da Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), que entra em vigor em dezembro e exigirá rastreabilidade integral da produção agrícola importada pela União Europeia, destino de 14% das exportações brasileiras de soja. Segundo a Abiove, dos 7,3 milhões de hectares cultivados com soja na Amazônia em 2022/23, apenas 250 mil estavam em desacordo com a moratória, e 97,7% dos imóveis bloqueados em Mato Grosso não possuíam licença ambiental válida para desmatamento. A associação afirma que o pacto "fortaleceu a credibilidade internacional da soja brasileira e contribuiu para reduzir o desmatamento na Amazônia".
O processo administrativo segue em fase de instrução, com prazo de 30 dias para apresentação de defesa. Cada investigada poderá indicar até três testemunhas para serem ouvidas na sede do Cade. A decisão final pode levar meses e, caso haja condenação, resultar em multas bilionárias. A medida preventiva, segundo o despacho, visa "resguardar a ordem econômica de danos graves e de difícil reparação" durante a tramitação da investigação.
Fonte: ESTADÃO CONTEÚDO
FONTE: ESTADÃO CONTEÚDO