O mercado de câmbio doméstico volta a operar descolado do exterior nesta quarta-feira. Após acompanhar a maior parte das demais divisas e se fortalecer contra o dólar, reagindo à leitura mais fraca que o esperado da inflação nos Estados Unidos em julho, o real devolveu o movimento e voltou a operar acima do patamar psicológico dos R$ 5,20. Participantes de mercado seguem atentos ao desenrolar das tratativas sobre a reforma tributária, a PEC dos precatórios e também o rescaldo da derrota do governo do presidente Jair Bolsonaro na votação da PEC do voto impresso.
Por volta das 14h, a moeda americana subia 0,24%, R$ 5,2091, após tocar R$ 5,1641 logo após o CPI americano. O real integrava, dessa forma, o grupo das seis divisas que se enfraquecia na sessão. O restante das 33 moedas mais negociadas do mundo se valorizava contra o dólar após o núcleo da inflação americana avançar 0,3% em julho, abaixo da expectativa de 0,4% dos analistas consultados pelo Wall Street Journal.
“Houve essa virada do dólar no mundo justamente após a desaceleração do CPI, que diminui a cobrança para o Federal Reserve retirar estímulos. No entanto, o mercado local continua muito volátil, uma vez que a percepção tem oscilado bastante em relação ao andamento das reformas”, diz Fernando Bergallo, diretor da FB Capital.
Entre as discussões de relevo que ocorrem em Brasília, está a nova versão do projeto de reforma do Imposto de Renda, que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretende colocar em votação ainda hoje. A versão apresentada esta madrugada pelo relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA) trouxe uma redução menor do IRPJ e também da CSLL. As mudanças tornam o projeto menos agressivo em termos de redução de carga tributária, diminuindo seus impactos fiscais - uma preocupação de analistas do mercado.
Outro ponto de atenção é a inclusão de um dispositivo na PEC dos precatórios que, segundo alguns analistas, praticamente inviabiliza a "regra de ouro". “Com a alteração prevista pela PEC, o governo poderá pular esta etapa desde que o gasto já conste no Orçamento, que também passa pelo crivo do Legislativo”, notam analistas da Guide.
Há, por fim, a expectativa sobre a postura do presidente Jair Bolsonaro após a PEC do voto impresso ser rejeitada na Câmara e a reação dos demais Poderes. [Com a derrota da PEC], “Bolsonaro precisará confrontar uma decisão legislativa para continuar escalando o tom em relação ao voto impresso, elevando os riscos sobre a coalizão do governo e potencialmente deteriorando a perspectiva de aprovação de outras reformas estruturais e privatizações”, notam analistas do Citi.
Mais cedo, ao cumprimentar a claque de apoiadores que o esperavam na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro manteve o tom, afirmando que deputados que votaram a favor da PEC “não acreditam que o trabalho do TSE é confiável”. “Não tenho provas [de fraude], mas não me furto do meu direito de opinar”, emendou o presidente.
Diante de uma nova rodada de incertezas fiscais, instituições continuam revendo para cima suas projeções de câmbio para o fim do ano. Hoje, o BTG Pactual elevou de R$ 4,80 para R$ 5,00 sua perspectiva, com risco relevante de se encerrar com uma taxa ainda mais depreciada. Em especial, se a manobra representada pela PEC dos precatórios for levada a cabo.
Analistas do Commerzbank, por sua vez, ressaltam o bom desempenho recente do real nos últimos pregões, na comparação com outras moedas emergentes. Tal fato seria, sobretudo, função de uma postura mais "corajosa" do Banco Central, que acelerou a intensidade das altas de juros.
"No entanto, o problema é que o BC não está lutando apenas contra os riscos inflacionários, mas também políticos e financeiros, que também pressionam o real. Por causa disso, nós mantemos uma postura cautelosa, presumindo que, no médio prazo, o real vai se beneficiar apenas moderadamente da alta da Selic."