Trinta e dois trabalhadores rurais foram resgatados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em situação análoga à de trabalho escravo em uma fazenda do interior de São Paulo que fornecia cana de açúcar à Colombo Agroindústria, fabricante da marca Caravelas. Os canavieiros, trazidos do interior de Minas Gerais, tiveram de pagar as próprias passagens, sofreram privação alimentar, não receberam os salários combinados e parte deles foi alojada em um açougue. A Colombo disse que o problema ocorreu com uma empresa contratada para o plantio de cana e que adotou todas as medidas para a solução do caso. A operação conjunta com o Ministério do Trabalho e Previdência, Defensoria Pública da União e Polícia Rodoviária Federal aconteceu no dia 26 de janeiro, em uma fazenda de Pirangi, no noroeste paulista. As vítimas foram arregimentadas por turmeiros, os chamados "gatos", nas cidades de Francisco Badaró, Minas Novas, Turmalina, Jenipapo de Minas e Berilo, no interior mineiro. Os migrantes tiveram de custear do próprio bolso as passagens, ao custo de R$ 320 cada um, até os alojamentos localizados no município vizinho de Palmares Paulista. O transporte foi feito em vans, de forma clandestina, segundo o MPT. Os trabalhadores contaram ao MPT que não tinham dinheiro para pagar a própria alimentação e só foram comer quando chegaram ao destino. Ao longo da estadia, eles tiveram que pagar os mantimentos comprados em um supermercado pelos turmeiros. Os trabalhadores foram alojados em casas e um cômodo comercial onde havia funcionado um açougue, em péssimas condições de higiene e conforto: colchões velhos com forros rasgados, fogões e geladeiras velhos, banheiros sujos e com instalações elétricas expostas. Durante o extenso período de chuvas em janeiro, os trabalhadores ficaram nove dias sem trabalhar e sem receber qualquer valor para se manter, nem mesmo o pagamento da chamada "diária chuva", valor mínimo pago ao trabalhador quando não há condições climáticas para o trabalho na lavoura. Os auditores fiscais do trabalho efetuaram o resgate dos 32 migrantes mediante lavratura de auto de infração, garantindo o direito ao seguro-desemprego. Conforme Regina Duarte da Silva, da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), os trabalhadores foram encontrados em condições degradantes, sem receber salários e sem garantia de trabalho, sob falsas promessas, o que configura aliciamento de mão de obra. "A conduta dos empregadores representa uma afronta aos direitos fundamentais do trabalhador e à dignidade da pessoa humana", disse. A RPC Serviços de Plantio assinou um termo de ajustamento de conduta em que se comprometeu a arcar com as verbas rescisórias devidas aos resgatados e os custos de transporte para a volta dos trabalhadores às suas cidades de origem. A empresa também assumiu o reembolso dos valores das passagens pagas pelos trabalhadores e as dívidas contraídas com o supermercado. Foi ainda obrigada a formalizar os contratos, pagar os salários e obrigações trabalhistas. Nesta terça-feira, 7, a empresa informou que deu cumprimento ao acordado e que as verbas apuradas foram pagas no início de fevereiro. <b>Empresa tradicional</b> A Colombo Agroindústria, detentora da marca de açúcar Caravelas, foi fundada em 1979, a partir de um engenho de fabricação de aguardente da família Colombo que já operava desde 1940. A empresa se tornou uma das principais indústrias sucroalcooleiras do País. Além de etanol, gera energia a partir do bagaço de cana e produz açúcar cristal, granulado, refinado, demerara e mascavo. A companhia processa cana-de-açúcar de produção própria e de áreas arrendadas. Em nota, a Colombo afirmou que a fiscalização do MPT aconteceu em área arrendada para produção de cana de açúcar, com mão de obra contratada pela RPC - Serviço de Plantio. Disse ainda que a mesma empresa forneceu mão de obra por três anos consecutivos sem apresentar qualquer problema. A companhia opera há 20 anos com mão de obra contratada e nunca houve qualquer irregularidade. Afirmou ainda que o problema foi pontual e, tão logo constatado, foi aberta sindicância para apuração. A empresa disse tratar o caso com total transparência e que colabora para o esclarecimento. <b>Para lembrar</b> No dia 22 de fevereiro último, mais de 200 homens contratados para trabalhar na colheita de uva foram resgatados de um alojamento em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Segundo o MPT e o Ministério do Trabalho e Emprego, eles eram submetidos a condições degradantes e trabalho análogo à escravidão. O resgate aconteceu depois que alguns trabalhadores conseguiram fugir e foram socorridos pela Polícia Rodoviária Federal. Em depoimentos, as vítimas contaram que eram submetidas a jornadas excessivas, com alimentação insuficiente ou estragada e sem receber os salários combinados. A fiscalização encontrou alojamentos precários e inóspitos. Oriundos da Bahia, os homens foram contratados pela empresa Fênix que, por sua vez, era contratada para fornecer mão de obra às vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, algumas das maiores fabricantes de vinho do país. As vinícolas afirmaram que desconheciam as condições de trabalho oferecidas pela contratada e que sempre agiram dentro da legalidade. A Fênix disse que tudo será esclarecido no decorrer do processo. <i>Íntegra da nota da Colombo Agroindústria: "O que sabemos sobre o caso até o momento: Trata-se de uma situação ocorrida com trabalhadores da empresa contratada para o plantio, RPC - Serviços de Plantio, que foi alvo de denúncia ao Ministério Público do Trabalho. A Colombo ainda desconhece a fonte das denúncias e não teve acesso ao teor de todo o processo empreendido pelo MPT. Tais informações estão sendo solicitadas pela Colombo ao órgão. A Colombo é a maior interessada no entendimento do ocorrido e está, por meio de sindicância, mapeando possíveis condutas desalinhadas à sua governança na execução da prestação de serviços de terceiros. Ao longo de 20 anos, a Colombo opera com a contratação para o plantio e jamais passou por situação similar. Inclusive, a referida empresa executou tais serviços por três vezes em anos consecutivos, sem identificação de qualquer irregularidade em sua conduta. A fiscalização promovida por grupo móvel ocorreu nos dias 25 e 26 de janeiro, primeiramente em uma propriedade rural no município de Pirangi (SP) que não pertence à Colombo, mas, sim, é uma fazenda arrendada para o plantio. Em seguida, a vistoria ocorreu em cinco imóveis na cidade de Palmares Paulista que também não são instalações da Colombo. Relatório da ação do MPT informou irregularidades na qualidade da habitação ofertada pela RPC e falta de atendimento aos requisitos de salubridade, na localidade em que residiam cinco trabalhadores em um imóvel e um trabalhador em outro. Por isso, houve a interdição. Na sequência, a fiscalização exigiu da RPC a rescisão imediata dos contratos de trabalho de todos os 32 trabalhadores. Deste total, 26 rescisões foram determinadas pela equipe de fiscalização por medida preventiva, já que eram oriundos da mesma região. Os trabalhadores foram contratados e estavam devidamente registrados há 10 dias pela RPC, mas trabalharam em poucos dias no plantio devido às chuvas que ocorriam na região. Com base nas informações que tivemos acesso, o grupo móvel não constatou quaisquer irregularidades no campo ou nas dependências da Colombo. Importante ressaltar que não há qualquer investigação direcionada à Colombo, que não praticou qualquer conduta irregular, muito menos aquelas que estão sendo atribuídas à empresa R. Pereira Coelho. Qual é a nossa conduta para fiscalizar e evitar esses acontecimentos? A Colombo Agroindústria S.A é uma empresa com mais de 80 anos de existência e sempre reconhecida pelo zeloso cumprimento das leis, cuja atuação é permanentemente marcada pelo respeito aos funcionários, aos prestadores de serviços, à comunidade, ao meio ambiente e à sociedade em geral. Não toleramos qualquer forma de contratação de colaboradores diretos ou indiretos que não esteja em conformidade com as leis e com respeito à dignidade humana. A empresa tem políticas e diretrizes claras para orientar a seleção de fornecedores com base em critérios socioambientais, incluindo direitos humanos, práticas trabalhistas e redução de impactos na sociedade. Essas políticas são divulgadas para todos os envolvidos no processo de seleção de fornecedores, bem como para os fornecedores em potencial. Realizamos auditorias in loco para avaliar as práticas socioambientais dos fornecedores. Essas auditorias podem ser conduzidas por auditores internos e externos e avaliar temas como práticas trabalhistas, saúde e segurança, impactos ambientais, gestão de resíduos, direitos humanos, entre outros. O incidente aqui informado, envolvendo a prestadora de serviço RPC, foi um acontecimento pontual e não identificado de imediato pela nossa governança em virtude dos poucos dias de estadia dos trabalhadores na cidade. Certamente as rotinas fiscalizatórias da empresa teriam identificado qualquer suposta irregularidade. O que já fizemos? Desde que tomamos conhecimento, temos atuado sob gestão da nossa área de compliance, de forma tempestiva e imediata. Instalamos um procedimento de apuração e sindicância, por meio de consultoria externa, que já faz parte da governança da empresa. Apoiamos o Ministério Público do Trabalho naquele momento, fornecendo todas as informações necessárias para o custo das investigações acerca da empresa R. Pereira Coelho Serviços de Plantio. Estamos à disposição para quaisquer novas solicitações do órgão. Asseguramos que os funcionários envolvidos na situação retornassem, de imediato, aos seus domicílios de origem. Reforçamos os esforços para nos certificarmos que todos os demais trabalhadores estavam com sua situação de trabalho e moradia regulares e seguras. Estendemos para todas as empresas que prestam serviços semelhantes aos da RPC a revisão das condições de moradia coletiva, de maneira imediata, independentemente de prévio aviso. Este trabalho continua sendo realizado todos os dias. Mantemos reuniões mensais com os comitês de Auditoria e Riscos, Fiscal e Compliance conduzidos por profissionais especializados, que trazem subsídios estratégicos para apoiar o Conselho de Administração no direcionamento de ações que impactam as operações da empresa. O maior objetivo é identificar e apresentar soluções para riscos regulatórios, fiscais, financeiros, operacionais, ambientais, de tecnologia da segurança, entre outros. Determinamos que, em 60 dias, um comitê interdepartamental, formado pelas áreas envolvidas nos processos de contratação e relacionamento com prestadores de serviços, trabalhe na análise crítica e implemente as melhorias na atual política, nos procedimentos e nas instruções de contratação de serviços. Por fim, nos colocamos à disposição para que tudo seja esclarecido o mais rapidamente possível. Reforçamos o nosso repúdio a práticas de trabalho análogo à escravidão e o nosso compromisso com a ética, a legalidade e o respeito aos direitos humanos."</i>