O diretor de organização do sistema financeiro e resolução do Banco Central (BC), João Manoel Pinho de Mello, e especialistas mostraram confiança nesta quinta-feira na adoção do real digital pela população, caso a autoridade monetária leve o projeto adiante. Eles participaram de evento virtual promovido pelo BC para debater o potencial do real digital.
“As pessoas estavam preparadas para aceitar o Pix antes de saberem o que era o Pix? Provavelmente não”, disse Eduardo Diniz, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV). Ele destacou que o sistema de pagamentos instantâneos é “claramente um caso de sucesso” e que o processo de adoção do real digital também “pode ser muito rápido”.
Falando na sequência, Pinho de Mello citou como exemplo uma pesquisa sobre open, mostrando que 46% dos entrevistados têm algum temor em relação ao sistema. “Eu me surpreendi. Quer dizer que 54% não temem e [o sistema] nem entrou [em vigor] ainda? Eu acho um número super alto”, afirmou. “Depois da entrada, as pessoas vão entendendo quão fácil é o benefício e vendo que é muito seguro.”
Em seu discurso, Pinho de Mello também disse que “haverá, no longo prazo, uma migração significativa do papel moeda para formas digitais de realizar pagamentos, e acreditamos que isso passará também pelo uso de CBDCs (sigla em inglês para moedas digitais)”.
Para Keiji Sakai, country manager da R3, empresa que provê tecnologias para o sistema financeiro, “vai ter um monte de gente contra [o real digital] até entender como funciona”.
O BC vem trabalhando desde meados do ano passado na criação de sua própria moeda digital. Algumas das diretrizes já divulgadas para essa nova forma do real são: emissão apenas pela própria autoridade monetária; custódia pelas instituições financeiras; ausência de remuneração. A avaliação do BC é que o Brasil pode ter condições já no fim do ano que vem de implantar o real digital, mas também afirma que ainda é cedo para cravar que o projeto se tornará realidade.
Em seu discurso no evento, Pinho de Mello destacou que, se bem desenhadas, as moedas digitais oficiais poderão “ampliar a inclusão financeira” e “diminuir o custo e tempo de pagamentos transfronteiriços”.
Mas ele afirmou que o processo exige “extremo cuidado na escolha do desenho e das tecnologias”. Segundo o diretor, esses fatores são essenciais para evitar desrespeito a leis de proteção de dados, corridas bancárias e ataques cibernéticos. Pinho de Mello também defendeu que o uso das moedas digitais entre diferentes países “deve ter especial consideração”, para “evitar substituições indesejadas da moeda soberana de um país pela de outro”.
“Entendemos que o uso da CBDC se dará nas situações em que ela for capaz de trazer maiores eficiência e transparência para as transações, seja sob a ótica do varejo ou do seu uso pelos agentes que compõem a indústria financeira e de pagamentos, que chamamos de atacado”, afirmou.
Tanto Pinho de Mello quanto os especialistas defenderam que o real digital servirá para complementar, e não substituir, a moeda física.
“Estamos fazendo uma transposição do papel para o real digital, mas não vamos perder toda essa estrutura que garante a confiança no sistema”, afirmou Diniz, da EAESP-FGV, destacando que serão mantidos pelo BC os protocolos de funcionamento e validação da nova moeda, por exemplo. “Não vamos desestruturar uma certa lógica que existe.”
Sakai, da R3, afirmou que o real digital será uma “alternativa” para “algumas situações”. De acordo com ele, a nova versão da moeda poderia, por exemplo, ter gatilhos que fariam com que ela funcionasse só a partir de uma data específica ou até outra data específica. Na avaliação do especialista, o real digital criará “inúmeras oportunidades de negócio” e poderá reduzir tarifas e custos, por diminuir o tempo entre o pagamento e a entrega de um ativo. Ele reconheceu, no entanto, que a nova versão da moeda criará a “necessidade de reposicionamento” de alguns agentes financeiros.