Mesmo que o Brasil não esteja na lista de países considerados hostis pela Rússia, teremos problemas para importar o volume de fertilizante que utilizamos para garantir a produção agrícola e evitar que a insegurança alimentar cresça exponencialmente.
O boicote internacional imposto à Rússia pela invasão da Ucrânia atinge a indústria de logística. Grandes empresas de transporte marítimo e fornecedoras de contêineres estão paralisando suas atividades no país euroasiático.
Ainda que o Brasil esteja livre para comprar o produto, haverá dificuldade para que ele chegue em grande quantidade e ao destino final. Importamos 85% do fertilizante usado na agricultura brasileira. A Rússia é o nosso maior fornecedor, com 23% do total.
O impacto na produção de alimentos no Brasil e no mundo será “catastrófico”, segundo Svein Tore Holsether, chefe da Yara International, uma das maiores empresas compradoras de fertilizantes com sede na Noruega. Ela opera em 60 países e a informação foi dada por Holsethher em entrevista concedida à BBC.
Pesquisa da Rede Penssan mostra em seu Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid 19 que 55,2% dos domicílios brasileiros têm algum grau de insegurança alimentar.
Em 2019, no Brasil havia 10,3 milhões de pessoas passando fome. Dois anos depois, em 2021, o número chegou a 19,1 milhões. Holsether afirma que a redução na produção dos alimentos é apenas uma questão de tempo e que temos uma crise dentro de uma outra (a desorganização da economia mundial devido à pandemia de Covid 19).
O conflito ocorre entre dois gigantes mundiais na produção de alimentos e garantia na segurança alimentar. A Ucrânia é uma das maiores produtoras de grãos, enquanto a Rússia, além da produção agrícola, é a maior exportadora de fertilizantes no mundo, seguida pela China, Marrocos, Canadá e Estados Unidos.
Os fertilizantes aumentaram mesmo antes do conflito com a elevação do preço do gás natural e boicote à Belarus. O gás é a principal matéria prima para a produção de amônia, base dos fertilizantes nitrogenados. O Brasil tem gás natural, mas não consegue transportar das plataformas em alto mar para o continente. Faltam gasodutos.
Mesmo assim, não somos produtores das outras matérias primas, que são a base dos fertilizantes: fosfato e potássio. A ministra Tereza Cristina, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) acredita que o Canadá poderá substituir o déficit. Não há garantia, uma vez que todos os importadores deverão bater na mesma porta, e não há oferta suficiente para a demanda.
O Brasil e os fertilizantes
O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo, atrás da China, Índia e Estados Unidos. A soja é a cultura que mais consome o produto, seguido do milho, cana-de-açúcar e algodão, segundo a Empresas Brasileira de Produção Agropecuária (Embrapa). De todo o fertilizante que importamos, 90% são usados nessas 4 culturas.
Para analistas, fatalmente vai haver desabastecimento mundial. Um dos principais componentes que vai provocar o problema é o potássio. Os nitrogenados são produzidos com gás natural, necessário a fabricação da amônia, substância base dos nitrogenados. Para completar o ciclo da crise, a Rússia é o segundo produtor mundial. e o maior exportador de gás natural.
O potássio e o fosfato são minerais, e o país euroasiático também detém o maior número de minas, de onde saem as matérias primas. O Irã tem grande produção de amônia (nitrogenado), mas são os minerais (potássio e fosfato) que garantem o desenvolvimento da plantação.
Mesmo que as negociações da ministra Tereza Cristina deem certo, a previsão é que pagaremos bem mais caro pelo produto. A demanda será bem maior que a oferta. Apenas a Europa, consome 25% de todo o fertilizante russo na produção de alimentos.
Caso a Rússia não interrompa a exportação do fertilizante para o Brasil, a logística e os preços vão causar danos. Além da Rússia, o Canadá e a Belarus, produzem 80% desse fertilizante em todo o Planeta. Os outros 20% saem do Chile, Israel, Jordânia e Israel. Toda a produção tem compradores.
Com o nitrogênio, a situação não é diferente. No Brasil, a ureia é usada como fertilizante e para a formulação de outros produtos usados na agricultura. Ela só não produz mais quando somamos todos os produtores do Oriente Médio, como Arábia Saudita, Catar e Irã.
Em 2021, os preços dos fertilizantes aumentaram porque houve boicote a Belarus (um dos grandes produtores), taxas alfandegárias e condições climáticas adversas. Esse cenário bateu no preço final dos alimentos. A situação pode piorar bastante.
A corrida agora, é para diminuir a dependência de fertilizante da Rússia. Mas esse movimento só será alcançado no médio e longo prazos. Neste momento, o Brasil tem fertilizante para mais uma safra e o inverno impede que um dos grandes consumidores, a China, esteja comprando e ainda exporta. O país asiático está no inverno.
A situação só não vai piorar se a crise entre os dois países, e os boicotes internacionais contra a Rússia, cessarem. Mesmo assim, os problemas de logísticas, que são anteriores à guerra, podem persistir.
Fonte: BBC