Após os acontecimentos climáticos catastróficos em 2021 na maior parte do Planeta, é fácil e primário, mas absolutamente equivocado, atribuir os desastres e perdas de toda ordem apenas à ação do homem na natureza. Os eventos que provocam o aquecimento global, somam-se aos fenômenos naturais e cíclicos que moldam o padrão do clima, tanto no hemisfério Norte quanto no Sul, há milênios.
Há dois anos que os meteorologistas dos principais institutos de pesquisa do clima no mundo vinham alertando para a iminente chegada do fenômeno La Ninã. Ao contrário do que nós brasileiros acreditamos, tanto o La Niña quanto o La Niño, desestabilizam regularmente o clima desde a Oceania, à América Latina, do Norte e Europa.
O que assistimos, portanto, é a conjunção dos fenômenos naturais e cíclicos aliados à ação do homem, que provoca o aumento dos gases do efeito estufa com a matriz enérgica suja nas grandes economias e o desmatamento desenfreado das florestas remanescentes ainda em pé em vários países, principalmente, no Brasil, e seus vizinhos que abrigam parte da floresta amazônica.
Para entender os acontecimentos, precisamos saber exatamente o que é a La Ninã e o La Niño. Os fenômenos são provocados pelos Enos (em português, ventos) alísios. No La Ninã, eles resfriam as águas do Oceano Pacífico, próximas da Austrália e da Indonésia, deslocando massas de ar frio em grandes altitudes e de alta pressão. Elas se deslocam de Oeste para Leste e se acumulam nas regiões equatoriais próximas à Colômbia, Peru e Equador. São trazidas para o continente, provocando chuvas e tempestades em algumas partes, assim como secas severas e persistentes em outras.
Com o La Niño, ocorre justamente o oposto. As águas se aquecem na mesma região do Pacífico, e os ventos alísios, desta vez de Leste para Oeste, que também deslocam massas de ar (desta vez, quentes) para a mesma região equatorial do Pacífico, de baixa pressão e baixas altitudes, que também adentram no continente sul-americano, provocando a desestabilização total do padrão cíclico do clima.
Os dois fenômenos geralmente acontecem em intervalos de 4 em 4 anos. Mas não é uma regra matemática. Outro detalhe interessante é que as maiores catástrofes se dão exatamente quando eles são considerados pelos especialistas como “moderados”. Quando eles são considerados intensos, provocam um efeito moderado nas chuvas e secas.
Os nomes dos dois fenômenos estão ligados ao período em que eles começam. Sempre próximos ao Natal. Por isso, o nome niño (menino) em referência ao nascimento do menino Jesus.
Meteorologistas sabem quando esses fenômenos estão a caminho, monitorando ininterruptamente as temperaturas, velocidade, altitudes e direção dos ventos da superfície do Pacífico equatorial. Começam com anomalias térmicas na maior parte do Oceano Pacífico central e oriental, anomalias nos ventos de leste em níveis baixos e nos ventos de oeste nos níveis superiores da atmosfera. Há dois anos que o instituto climático Administração Nacional e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA) alerta governos sobre o que a La Niña poderia provocar em 2021.
Via de regra, o La Niño acaba em chuvas intensas no Sul do país e bem mais moderadas no Norte e Nordeste brasileiros. No La Ninã, o oposto. Temo secas severas na região Sul da América e chuvas torrenciais no Norte e Nordeste. É o que aconteceu em 2021 e que deve se estender até a Primavera de 2022, segundo cientistas meteorológicos.
Nas Américas, o fenômeno desestabiliza os padrões climáticos nas três regiões. Sul, Central e do Norte. Chuvas, tempestades, furacões. Causam prejuízos à agricultura, aumentam a vazão repentina em rios que invadem cidades e causam destruição por onde passam. No campo, quebra as principais safras e prejudicam as cadeias produtivas do agronegócio. O La Ninã, na Colômbia, Equador e Norte do Brasil traz chuvas intensas. No Peru, Bolívia, Argentina, Paraguai, Sul do Brasil e Chile, secas severas. Pior: meteorologistas cravam que 2022 será um ano anda mais quente e seco.
Na América do Norte em 2021 assistimos furações e ciclones provocados pela La Niña cuja violência e capacidade de destruição e morte nunca foram registrados. Nevascas intensas no Norte dos Estados Unidos que chegam às ilhas da Oceania. Atingem regiões pontuais da Austrália e em dezenas de ilhas. Na Europa, em 2021 as temperaturas elevadas ultrapassaram os 40º em vários países e, na sequência, nevascas que também levou a muitas mortes.
Então, diante de fenômenos climáticos naturais e padrões cíclicos, os negacionistas do aquecimento global podem cantar vitória? Muito pelo contrário. As manifestações virulentas da ação dos dois fenômenos estão sendo potencializadas e impulsionados pela ação do homem com a utilização de combustíveis fósseis que dispersam gases que aquecem a atmosfera e ficam presos como o vapor quente em uma panela de pressão. O Brasil, que tem matriz enérgica majoritariamente limpa, mas contribui para a desestabilização ao desmatar, eliminando o filtro natural que retira tais gases da atmosfera, aprisionando-os na biomassa das florestas.
Os ciclos climáticos não se alinham a ideologias fundamentalistas que negam a ciência por interesses políticos e muito menos econômicos. Lobistas das grandes petroleiras foram na COP 26, Conferência do Clima em Glasgow, na Escócia, realizada em 2021, sem qualquer pudor ou estudo científico, para evitar a limitação do uso do petróleo como combustível. O contraponto se deu com milhares de jovens preocupados com o que futuro lhes reserva. Petroleiras não queriam nem mesmo que eles fossem citados nos documentos finais da ONU. O negacionismo sempre está ligado a interesses diversos de grupos que se beneficiam em detrimento da maioria da população mundial. Aparentemente perderam. Apenas as ações das nações que se comprometeram em reverter a situação é que vão dizer.
Estudos científicos indicam que a ação do homem, e não padrões cíclicos milenares, estão alterando o clima. Com La Ninã ou sem ela, meteorologistas afirmam que impedir que o Planeta se aqueça entre 1,5º a 2º até 2100 já não será mais possível. Estudos independentes indicam que a temperatura média dos últimos 100 anos já aumentou 1,2º, e falam que chegaremos em 2100 com 2,8º acima da média. Os fenômenos climáticos naturais, que atuam com regularidade, não acontecem para elevar temperaturas e muito menos para mudar padrões e ciclos climáticos. São regulares há milênios e nunca antes alteram definitivamente as temperaturas.
Meteorologistas acreditam que o homem está criando novos ciclos e padrões, sem saber para onde estamos indo. Não temos a mínima noção do que virá. Mas não será bom para a vida como a conhecemos. Se nada for realmente feito, a terra vai ser um lugar bem diferente do que conhecemos hoje.
Embora o assunto não transborde para uma discussão ampla na população leiga na maioria dos países, a situação é tão dramática que neste ano teremos uma Conferência da Biodiversidade, espécie de braço da Conferência do Clima, desta vez na China, para discutir o desaparecimento em massa de espécies da fauna e da flora tanto na terra como no bioma marinho. Além de discutir políticas que vão tentar mitigar a catástrofe. Na verdade, perdemos o timing. Os interesses inconfessáveis, se impuseram sobre a racionalidade.
Relatório preliminar da Organização Mundial de Meteorologia (WMO) indica que 2021 foi o ano com as temperaturas mais extremas da Era Contemporânea. Prevê-se que 2022 será ainda mais quente.