O próximo ano será extremamente complicado no campo político, econômico e fiscal. A avaliação é do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, que projeta para 2022 um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) abaixo do potencial. Pastore observou que a inércia da inflação não está subindo tanto quanto em 2011, “mas está subindo”, e aponta a crise institucional como um fator que tende a pressionar o cenário econômico.
“Temos um governo politicamente fraco, que está criando clima de crise”, afirmou em webinar promovido pelo Valor e pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) nesta quinta-feira.
Para José Júlio Senna, ex-diretor do BC e diretor do Centro de Estudos Monetários do Ibre-FGV, os ruídos políticos e os riscos fiscais estão mexendo com as expectativas de inflação. Segundo ele, “o governo tem que se envolver no combate à inflação, e não apenas o BC”, contribuindo para baixar a fervura na política e reduzir os riscos fiscais. Ele destacou que a questão dos precatórios, por exemplo, não está resolvida.
“Os choques inflacionários podem durar mais tempo e desancorar as expectativas. Quanto mais tempo a inflação continuar elevada como está, pior para a formação de expectativas”, afirmou, lembrando que “a influência da inflação passada na formação de expectativas ainda é importante”.
Também presente no evento, que discutiu política monetária diante das pressões inflacionárias globais, Mario Mesquita, ex-diretor do BC e economista-chefe do Itaú Unibanco, afirmou que a autoridade monetária está certa em olhar as expectativas de inflação. As de médio prazo estão ancoradas, disse. “As expectativas de inflação para 2023, por enquanto, estão ancoradas à meta.”
Sobre os riscos fiscais, Mesquita afirmou que “o quantitativo de curto prazo fiscal está bom, a dívida se estabilizou, mas o qualitativo segue complicado”. “O qualitativo fiscal está fazendo mais preço no mercado do que o quantitativo”, ressaltou.
Pastore comentou que “não se faz política monetária bem feita sem política fiscal bem feita”. Ele disse que está havendo um outro choque de oferta, que é a interrupção das cadeias de suprimento, e também há o risco causado pela crise de energia elétrica. “A questão é se essa crise vai gerar racionamento e causar choque de oferta.” Ele comentou ainda que o ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic) “não está forte” porque o BC “baixou demais os juros”.
Na opinião de Mesquita, a crise energética é mais um risco inflacionário do que um limitador da atividade econômica. Ele avalia que o controle da inflação será um enorme desafio para o Banco Central. “O emprego formal, por exemplo, já recuperou perdas causadas pela pandemia. Os dissídios estão acompanhando a inflação e há um risco inflacionário nisso”, citou. “O BC está lidando com uma conjuntura que poucas vezes vi em termos de dificuldade.”
Mesquita destacou ainda que o Brasil está lidando com um processo inflacionário que foi mudando nos últimos tempos. “Começou liderado pelo câmbio e commodities, mas agora a inflação começa a aparecer de forma mais nítida nos preços de serviços, que é aquela inflação mais persistente com características inerciais”, disse.
Para Pastore, trata-se de uma consequência do início da vacinação contra a covid-19 no país. “A pandemia está sendo dominada lentamente e o setor de serviços vai crescer mais e gerar o componente de inércia, que está subindo”, comentou ao acrescentar: “Tem que andar logo com esse ajuste monetário para evitar que fique mais complicado.”