O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou, nesta terça-feira, que sempre prezou o diálogo e defendeu a sua gestão durante o órgão, negando “omissões”. Em sua fala inicial, durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ele também apontou o fato de ter acabado com as forças-tarefas da Lava-Jato – um tema caro para a classe política.
Diante das críticas de que não tem atuado para conter o presidente Jair Bolsonaro, disse que, a cada denúncia, a PGR tem instaurado uma notícia de fato, que é uma espécie de investigação preliminar, para uma “análise criteriosa” antes de tomar providências.
Em relação a Bolsonaro, fez menção ao inquérito instaurado no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a suposta interferência política na Polícia Federal (PF), ao pedido para apurar a organização dos atos antidemocráticos e o inquérito sobre a suposta prática de prevaricação no caso da compra da vacina indiana Covaxin.
Ele também citou as investigações abertas contra os ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ricardo Salles. “Em todos esses procedimentos, primeiro, nós fizemos análise profunda para não criar dificuldades injustas”, disse.
Aras observou ainda que, durante a sua gestão, não compactuou com o “vazamento seletivo” de operações e que “cumpriu sua função sem escândalo”. “Realizamos operações sem vazamentos seletivos e espetáculos midiáticos. Se a gente tivesse vazamento seletivo de informações eu estaria numa condição muito mais privilegiada”, disse.
Segundo ele, o procurador-geral da República é tanto o titular da ação penal como o defensor dos direitos e garantias individuais, e deve atingir a política somente “naquilo que é realmente necessário para o combate à criminalidade”.
Aras defendeu que “a eficiência do PGR não deve ser mensurada por operações policiais espetaculosas” e que pautou sua “atuação na discrição”. “Denúncias açodadas, sem lastro probatório, acabam desacreditando o sistema jurídico e penal brasileiro. Isso agrada uma plateia do presente, imediatista e apaixonada”, disse.
O procurador-geral disse “que não há maior dor do que uma condenação injusta”. “É dever do membro do Ministério Público manifestar-se nos autos, não buscar holofotes e nem manifestar opiniões públicas." Ele apontou que o PGR deve observar o discurso político, “sem se misturar ao dia a dia da política”.
“Inicialmente é importante registrar que o Ministério Público não é de governo nem de oposição, é constitucional”, disse. Segundo Aras, algumas decisões dele “não foram concordes com o governo, mas com a Constituição”. “Este PGR discordou em 30% dos pedidos de liminares do governo e 80% em matérias de covid”, disse.
Ele citou como exemplo a manifestação pela obrigatoriedade da aplicação das vacinas e a contra a privatização total dos Correios. Citou novamente o inquérito dos atos democráticos. Ele destacou que, apesar de a PGR ter pedido o arquivamento do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), a investigação foi enviada para a primeira instância, porque não se verificou a participação de parlamentares. “Isso não significa que parlamentares não possam vir a ser investigados”, disse.
Em sua fala, Augusto Aras também fez uma série de críticas à Operação Lava-Jato. “O modelo das forças-tarefas, com pessoalização, culminou em uma série de irregularidades, tais como os episódios revelados pela na Vaza-Jato”, disse. Entre as críticas, apontou a tentativa da força-tarefa de Curitiba de criar uma fundação para gerir recursos arrecadados de acordos da operação.
“Cumprir a Constituição é saber a separação dos Poderes, fiscalizar condutas ilícitas e não dar aos membros do Ministério Público nenhum poder que não seja constituído”, disse.
Segundo Aras, “a deficiência de institucionalidade sobretudo em alguns procedimentos de investigação culminou em uma lacuna de documentação em prejuízo ao princípio da pessoalidade e legalidade”. Ele citou como exemplo os acordos de cooperação internacional fechados de maneira supostamente ilícita pelos procuradores da Lava-Jato, que, segundo ele, a PGR não encontrou nenhum registro. “Ainda que a discrição da nossa atuação tenha frustrado espectadores de apurações espetacularizadas, cumprimos o compromisso de uma atuação sóbria”, disse.
Aras defendeu ainda a decisão de compartilhar os dados levantados pela Lava-Jato, e disse que agora todas as unidades do Ministério Público Federal (MPF) têm acesso às informações. “Nenhum Estado da União está fora da perspectiva de obtenção de informações para investigações e sem abuso”, disse, explicando que os acessos aos dados ficam registrados.
Durante a sua explanação, ele fez um aceno ao senador Eduardo Girão (Podemos-CE) ao explicar que, agora, o Ceará também pode ter acesso a informações referentes à Operação Lava-Jato, que antes ficavam restritas a locais onde os grupos atuavam, como Curitiba. “Agora há um sistema de compartilhamento em todo o Brasil sob a supervisão da Corregedoria do Ministério Público”, disse.
Ele também defendeu que “os resultados obtidos não são uma realização pessoal”. “Fui um coordenador que prezou pelo diálogo e pelo respeito da independência funcional de todos os colegas. ”Apesar da crise interna, com integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal acionando STF para poder deliberar sobre um pedido de investigação por prevaricação contra Aras, o PGR afirmou que fez uma “atuação coordenada, integrada e harmônica entre todos os ramos do Ministério Público”.
Entre os destaques da sua gestão, apontou a criação do Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia Covid-19 (Giac). “Pandemia foi um terrível infortúnio, mas também desafiou nossas instituições impulsionando-as para o aperfeiçoamento.”
Aras voltou a defender a sua decisão de acabar com as forças-tarefas da Operação Lava-Jato e criar os chamados Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos). “As operações da Lava-Jato ganharam muita notoriedade e prestaram bons serviços. Toda via, as forças-tarefas geraram disfuncionalidades a partir da personalização. [Geraram também] certa criminalização da política, de forma a manter os alvos como foco de atenção”, disse.
Segundo o procurador-geral, hoje há 15 Gaecos pelo país, no lugar de três forças-tarefas da Lava-Jato, que atuavam em Curitiba, Rio e São Paulo. “Os Gaecos federais estão sendo implementados não para enfraquecer combate à corrupção, pelo contrário”, disse.
Em meio à uma crise institucional, ele também afirmou que é “uma marca da cadeira do PGR velar pelo pacto que nos une, que é a Constituição”. “O Ministério Público tem como premissa amparar-se na Constituição e nas leis. Segurança jurídica é, afinal, um estabilizador para as relações sociais e atuação das instituições.”
Aras foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para ser reconduzido ao cargo, com mandato para o biênio 2021-2023. Ele ocupa o posto desde setembro de 2019. Se aprovado na CCJ, o nome dele ainda tem de ser confirmado no plenário do Senado.
Na CCJ, Aras precisa de apoio da maioria dos senadores presentes. A comissão tem, no total, 27 integrantes, o que significa que, se todos estiverem presentes, o procurador-geral tem de alcançar ao menos 14 apoiamentos.
Após esta etapa, sua recondução é levada ao plenário da Casa, onde ele necessitará de pelo menos 41 votos para ser reconduzido ao cargo. Ambas as votações são secretas e a expectativa é que todo este trâmite aconteça ainda hoje.