18/08/2021 às 20h00min - Atualizada em 18/08/2021 às 20h00min

Dólar passa de R$ 5,37 em meio a temor com rumo fiscal e político

Se, nos últimos pregões, foi notável o modo relativamente bem comportado do mercado de câmbio em vista da deterioração em outros ativos locais, como a bolsa e os juros, a aparente dissonância terminou hoje. O mal-estar dos agentes com o rumo das discussões sobre a questão fiscal e política se fez sentir com força na busca pelo dólar, que fechou pela primeira vez acima de R$ 5,30 desde 26 de maio.

No encerramento do dia, a moeda americana fechou perto das máximas, a R$ 5,3751. Este é o maior valor de fechamento desde 4 de maio, quando o dólar encerrou em R$ 5,4297.

O início do dia já foi de pressão, com relatos de que investidores estrangeiros estariam assumindo posições negativas no Brasil. A possibilidade do TCU aprovar o edital do leilão do 5G que contém uma brecha para até R$ 2,5 bilhões em gastos fora do teto também contribuiu para azedar o clima da negociação. A votação do parecer no órgão de controle começou esta manhã, mas foi interrompida e será retomada na semana que vem.

Esses acontecimentos se somam ao cenário de preocupação crescente com a perspectiva fiscal de médio prazo, em especial a tentativa do governo de patrocinar projetos que abrem brecha para a elevação dos gastos no ano que vem, que é de eleição. Esses temores foram o principal tema da primeira das reuniões trimestrais que o BC faz com os economistas de mercado financeiro.

Segundo relato de participantes do encontro ao Valor, foi dito que, apesar da pressão por maiores gastos, o rompimento do teto ainda não consta no cenário de ninguém. Isso significa que os preços dos ativos domésticos ainda não precificam essa chance e que ainda "têm muito a piorar" caso ela se aproxime ou se concretize, disse um dos presentes.

Este mal-estar, que vinha penalizando, de forma mais intensa, a renda variável e a fixa, parece finalmente ter dado as caras no câmbio. Na visão de um experiente gestor, esse aparente descompasso pode ter sido causado pela entrada de fluxo de divisas no Brasil nos últimos dias. “Passado esse fluxo, o real começou a piorar junto”, sugere. “Ainda bem, porque politico só olha para dólar, e poderia estar achando que estava tudo bem.”

Para Sérgio Zanini, sócio e gestor da Galápagos Capital, o comportamento dos preços hoje foi o de um mercado que está sem parâmetro nenhum, o que favorece a liquidação de posições. “É a famosa porta de saída pequena”, diz. O profissional lembra ainda que os R$ 5,30 figurava como um nível psicológico de resistência porque foi ao redor dele que ocorreu a última intervenção do BC no câmbio, em 5 de julho. “Hoje rompeu. Os juros e a bolsa já vinham sofrendo bastante. Agora o câmbio vai na mesma direção.”

De olho nos crescentes riscos fiscais e políticos, a tendência é que o real sofra renovada pressão de alta no próximo ano, avalia Brendan McKenna, economista do Wells Fargo.

Atualmente, o banco americano projeta que, com a deterioração dos gastos sociais e déficit fiscal, bem como a escalada da retórica política, o dólar fechará o segundo trimestre de 2022 a R$ 5,40 e, no fim do ano que vem, alcançará o patamar de R$ 5,60.

O profissional nota que, embora falte mais de um ano para as eleições presidenciais, a campanha parece já ter começado, especialmente do lado do presidente Jair Bolsonaro, “o que, a nosso ver, é preocupante para os mercados financeiros locais do Brasil”.

O temor do Wells Fargo gira em torno da tentativa de Bolsonaro de angariar apoio para a reeleição potencialmente implementando políticas que coloquem a trajetória fiscal e da dívida pública em um caminho mais insustentável. “A falta de confiança na posição das finanças públicas do Brasil deve fazer com que os mercados pressionem a desvalorização da moeda brasileira até a eleição, no mínimo”, escreve McKenna, em relatório.

A instituição financeira, no entanto, prevê que o teto de gastos não será rompido, mas que um déficit primário “relativamente grande permaneça em vigor”. “Se o déficit orçamentário do Brasil continuar a se deteriorar, a pressão baixista sobre a moeda pode existir no futuro previsível”, diz ele.

Além disso, em um cenário em que “a transição de poder não é suave”, o real deve sofrer pressão significativa e se desvalorizar mais e “em um ritmo mais rápido do que projetamos atualmente”. “Uma eleição contestada provavelmente escalaria o risco político a novos patamares e criaria um sentimento negativo em relação ao Brasil e à moeda”, aponta.

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