As preocupações sobre o quadro das contas públicas mantiveram os juros futuros novamente sob pressão nesta quarta-feira (18), engatilhando um movimento de forte aversão a risco, que elevou as taxas de médio e longo prazo em cerca de 20 pontos-base em relação ao ajuste anterior.
A indefinição sobre a questão dos precatórios e o tamanho do novo Bolsa Família, bem como a dificuldade de aprovação da Reforma do Imposto de Renda, seguem impondo tensão aos agentes financeiros, que continuam desconfortáveis com o risco de flexibilização ou burla ao teto de gastos.
Assim, finalizado o pregão regular, às 16h, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 subiu de 6,66% no ajuste anterior para 6,715%; a do DI para janeiro de 2023 avançou de 8,36% para 8,495%; a do contrato para janeiro de 2025 disparou de 9,60% para 9,79% e a do DI para janeiro de 2027 escalou de 10,03% para 10,22%.
A taxa de dez anos, do contrato que vence em janeiro de 2031, se aproximou dos 11%, fechando aos 10,69%, após máxima de 10,75% no pico de estresse do dia.
“O movimento de hoje ainda é reflexo da quantidade de ‘stop’ que o mercado começou a acionar. Tem muito gestor de fundo multimercado vendido [posição que lucra com a queda] em juros que está ‘stopando’”, diz um profissional da mesa de renda fixa de uma corretora, que prefere não ser identificado. “Mas as novidades não existem: a situação institucional prossegue delicada, com pedidos de impeachment de ministros do Supremo por parte do presidente, e o risco fiscal latente”, completa.
Além do terceiro adiamento da votação do projeto que revisa as regras do IR na Câmara dos Deputados e as incertezas sobre o tamanho do Bolsa Família e os precatórios ainda na mesa, relatos de que o Tribunal de Contas da União (TCU) poderia aprovar o edital do leilão do 5G com uma brecha para até R$ 2,5 bilhões em gastos fora do teto também contribuíram para azedar o clima dos negócios. A votação do parecer no órgão de controle começou hoje e a maioria para a sua aprovação foi formada, mas um pedido de vista adiou a decisão.
Segundo um operador de renda fixa de um grande banco, a mesma dinâmica de “stop-loss” foi observada durante a etapa estendida das negociações dos DIs, após a sessão regular, na qual os juros continuaram escalando. “Foi stop com certeza. O ajuste foi todo para cima”, afirma este profissional, que cita o delicado pano de fundo fiscal e político como o motivador do movimento abrupto nas taxas futuras.
Nessa etapa dos negócios, a taxa do DI para janeiro de 2031 avançava a 10,81% às 17h17. O volume de negociações foi robusto. No mesmo horário, o DI mais líquido era o que vencia em janeiro de 2023, com giro de 861 mil contratos negociados, bem acima da média diária de 2021, de 488 mil.
Vale pontuar que o Banco Central realizou, hoje, sua tradicional reunião trimestral com economistas, que dá base para a elaboração do Relatório de Inflação (RI) do BC. Segundo relatos dados ao Valor PRO — serviço de informações em tempo real do Valor — por participantes do encontro, os profissionais ressaltaram ao BC a preocupação com a recente piora do quadro fiscal doméstico, em meio ao debate sobre os precatórios e a pretensão do presidente Jair Bolsonaro de aprovar um novo Bolsa Família mais encorpado.
De acordo com pessoas presentes no encontro, o rumo das contas públicas dominou as conversas. Um economista que participou da reunião aponta que nenhum profissional avalia que o teto de gastos será rompido, mas que é grande a preocupação sobre como as eleições e a perda de popularidade de Bolsonaro podem elevar o risco fiscal daqui em diante. Outro presente ressaltou, por outro lado, que esses riscos ainda não estão incorporados aos preços dos ativos e que a dinâmica de mercado ainda “pode piorar muito” caso alguns receios se concretizem.
Para a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, os juros da curva do DI nos atuais patamares estão altos demais, o que não significa que haverá uma correção no curtíssimo prazo. “Considero que as taxas já estão muito elevadas. Mas elas podem ficar distorcidas por muito tempo, por causa da eleição, que ainda está a um ano de acontecer, e do debate sobre o arcabouço fiscal que ela vai trazer”, avalia a profissional.
Principal divulgação do dia, a ata da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) apontou que o debate sobre a redução da compra de ativos (“tapering”, em inglês) ganhou tração e alguns membros manifestaram a opinião de que o processo pode ser iniciado no fim deste ano. De outro lado, há uma preocupação acerca da variante delta e o cenário econômico prospectivo, mostrou o documento.
“O tapering foi o tema chave da última reunião do Fed”, diz o BMO Capital Markets, em relatório. “Esperamos que a redução da compra de ativos comece antes do fim do ano, telegrafada tão cedo quanto a próxima reunião do Fed, em 22 de setembro. Mas não se pode descartar completamente uma dica no [Simpósio Econômico de] Jackson Hole, na próxima semana.”