Em uma semana carregada de indicadores e de sinais sobre os rumos da política monetária brasileira, os ruídos políticos e a escalada dos riscos fiscais dominaram o sentimento do mercado e fizeram com que os juros futuros disparassem. Em uma nova rodada de forte alta na sessão nesta sexta-feira, as taxas subiram ao longo de toda a estrutura a termo da curva, com destaque para os vértices de longo prazo, que se firmaram em dois dígitos.
Assim, no fim do pregão regular, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 subia de 6,58% no ajuste anterior para 6,63%; a do DI para janeiro de 2023 avançava de 8,25% para 8,375%; a do contrato para janeiro de 2025 escalava de 9,24% para 9,42%; e a do DI para janeiro de 2027 saltava de 9,63% para 9,82%.
Em trechos de prazo ainda mais longo, os juros se firmaram em dois dígitos: a taxa do DI para janeiro de 2029 passava de 9,89% para 10,08%; e a do DI para janeiro de 2031 aumentava de 10,09% para 10,28%. É preciso lembrar, contudo, que a liquidez na parte mais longa da curva é mais baixa do que nos trechos curtos e intermediários.
Influenciado pelas perspectivas em torno das contas públicas, o mercado de juros voltou a ser penalizado pelo ambiente ruidoso no Brasil. Assim, a curva brasileira não conseguiu acompanhar a queda dos rendimentos dos Treasuries de longo prazo nos Estados Unidos e voltou a sofrer com forte alta nas taxas longas. O mercado, assim, deu continuidade à reprecificação do cenário político e fiscal do país, tendo em vista o adiamento da votação da reforma do Imposto de Renda, as incertezas em torno do pagamento dos precatórios e do aumento do Bolsa Família e sobre como ficará o teto de gastos em 2022.
“O mercado está sem parâmetro algum”, afirma um gestor de renda fixa que prefere não se identificar. “Os FRAs estão acima de 10% e a precificação de Selic no fim do ano que vem está bem acima de 9%. Vejo o movimento como um pouco exagerado, mas sabemos como é o mercado de pré. O lado fiscal está pegando muito e a popularidade do presidente [Jair Bolsonaro] continua baixa, mesmo com os gastos. O mercado entrou no modo de desconfiança de que mais coisa pode vir por aí”, afirma o profissional.
Na avaliação do economista-chefe da Porto Seguro Investimentos, José Pena, “a elevação dos gastos públicos é insustentável a longo prazo”. “Quando o Executivo enviar a proposta de Orçamento da União de 2022 ao Congresso no fim deste mês, o valor da despesa pública deve mostrar aumento substancial em relação aos níveis praticados neste ano, potencialmente incluindo valores que ficarão fora do limite imposto pelo teto de gastos”, aponta o profissional.
Pena observa, ainda, que uma parcela relevante do aumento esperado na despesa pública em 2022 deve ter caráter permanente, ou seja, terá impacto no gasto de forma recorrente nos próximos anos. “Sem elevação da receita em nível e padrão semelhante (recorrente), aumenta a preocupação sobre a evolução das contas públicas no médio e no longo prazo, com impacto sobre a taxa de câmbio e, consequentemente, sobre a inflação”, diz o economista. Daí a subida forte observada nos últimos dias nos juros intermediários e longos.
Em relatório enviado a clientes, os estrategistas Claudio Irigoyen e Gabriel Tenorio, do Bank of America, apontam que a precificação na curva de juros de uma alta de 4 pontos percentuais na Selic nos próximos 12 meses é “extrema demais”. Eles, contudo, enfatizam que o momentum é “muito negativo”, dado o viés mais “hawkish” do Banco Central e à continuidade da ala das expectativas de inflação. “A maneira mais segura de se posicionar por agora é através de ‘steepeners’”, dizem os estrategistas, ao apontarem para posições que capturem uma maior inclinação da curva de juros, ou seja, uma maior diferença entre as taxas futuras.
Para o BofA, essa seria “uma jogada defensiva antes de uma potencial inclinação da curva de juros americana”. Irigoyen e Tenorio também observam que o real continua desvalorizado e que, assim, pode haver uma nova rodada de apreciação devido ao viés mais conservador adotado pela autoridade monetária. Eles, contudo, apontam que adotariam mais cautela com esse cenário diante dos riscos fiscais no Brasil.